Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

1964-2014: 50 anos de arte contra o Estado



Em 2014 completaremos 50 anos do terrível golpe contra a democracia em nosso país. Paralelo ao golpe no Brasil, outros países da América Latina conviveram com situação semelhante. Enquanto os governos traíam seu povo e rendiam-se aos planos de expansão norte-americanos, colaborando e estreitando relações com o império capitalista, estimam-se que tenham ocorrido em torno de 100 mil assassinatos e possivelmente 400 mil casos de tortura relatados em toda a região da América Latina.

Durante este período que vai entre o início dos anos 60 a meados dos anos 80, os cidadãos brasileiros começam a sofrer a cassação dos direitos políticos;  crescente desarticulação de movimentos sociais; perseguições políticas; prisões arbitrárias; exílios e até mesmo desaparecimento de pessoas.

Não para por aí! A situação se recrudesce e começam os assassinatos; o cerceamento da imprensa; a ocultação de documentos oficiais e uma campanha nacionalista e mentirosa visando ocultar os acontecimentos ocorridos nos porões da ditadura, restringindo e silenciando a qualquer custo toda forma de oposição a barbárie.

Os abusos eram cometidos em nome de uma pretensa manutenção da ordem; uma guerra declarada a toda e qualquer tendência política que buscasse alternativas ao já viciado sistema político que mantinha o Brasil em uma situação patética; de joelhos, servil, apoiada por instituições conservadoras, tradicionalistas e incompatíveis com a imagem tão propalada pelos governos militares.

Neste contexto, as resistências atreladas às suas narrativas, sempre presentes em nossa história desde o Brasil colônia, ressurgiram para fazer frente aos tiranos e como resposta ao abismo que estávamos sendo conduzidos. Em todas as áreas da cultura tivemos expoentes desta resistência de grande valor. A Bossa Nova e os Concretistas, anos antes, serviram de lastro para o surgimento da Tropicália; o Cinema novo aparece de forma arrebatadora e sofre com a censura que logo se estabelece.

Artistas impossibilitados de trabalhar em sua áreas e com o que de melhor faziam, entenderam o problema e migraram dos seus territorios comuns, buscando de forma nem sempre consciente, mas com o devido senso e intuição muito acurada, a experimentação, a fusão das linguagens, o hibridismo, que não só confundia o inimigo, como também, de certa forma, buscava encontrar novos caminhos. Não se tratava apenas de produzir algo esteticamente novo, mas, abalar as formas de abordagem e estruturas do pensamento pequeno-burguês, estabelecidas desde a sociedade colonial e que ainda insistiam em permanecer.

O tecnicismo apregoado pelos governos autoritários começava a fazer água e seu projeto de dominação provava do próprio veneno. Em uma espécide de procedimento Oswaldiano revisitado, os artistas começaram a utilizar as armas do sistema. Tudo era matéria. As linguagens se transformaram e se hibridizaram. Surgiu a video-art; a body-art; o minimalismo; as performances e happenings; o Fluxus; as intervenções nos espaços, seja através da Land-Art ou da arte urbana; e a não menos importante: arte postal.

De caráter extremamente simples, porém, de extremo poder para a difusão de idéias, a arte postal driblava os censores, atravessava as fronteiras e ampliava os ecos de dor dos porões da ditadura. Antecipava o advento da internet, redes de criação e o uso das novas mídias no que hoje denominamos "rede sociais" . Neste sentido, vimos nascer na América Latina como um todo, inclusive no Brasil, trabalhos de valiosa grandeza, que nada tem de panfletários, mas, que carregavam em sua gênese, a marca da combatividade e da resistência poética, sem que para isto fosse necessário um só ato de violência.

O alcance da rede não tinha como ser assimilado pelos verdugos da ditadura. A construção de significados simbólicos,que se deu a partir disto, quando estudado hoje, é inimaginável para os padrões da época. Alcançaram todo o mundo ocidental e parte do Oriente em trabalhos colaborativos e de work in progress.

Artistas  abriram mão de seu  lugar comum e ofereceram-se ao sacrifício, ao risco, até mesmo de vida, abdicando das rançosas idéias a que a sociedade estava habituada; colocando seu trabalho contra a idéia do estado, quando este age de maneira criminosa.

A arte de resistência neste momento histórico, alcançou uma força poética  poderosa, saindo dos esperados padrões burgueses e do simples arremedo farsesco que alguns outros dispuseram-se, naquele momento,a produzir apenas  para a indústria do entretenimento.
Existir e opinar já era o suficiente para ser tratado como um criminoso.

É neste ponto que surge entre nós a inevitável idéia sobre o artista contra o estado autoritário. Depois dos anos de chumbo, com as eleições diretas e a gradativa consolidação da democracia, nos espanta que observemos ainda, a violência e o constrangimento com que o estado e as instituições, de forma pungente tratam as diferenças de opinião. 

Podemos perceber  a tentativa do controle através de outras formas mais sutis, mais adocicadas, disfarçadas  de entretenimento e diluídos na idéia do artista bem sucedido, respeitado, que faz sua arte para a massa, de maneira a atingir a maioria sem grandes esforços, ainda que para isto, abra mão de sua poética e da construção de significados que isto possa representar. A esterilização das poéticas através de projetos duvidosos e de chapa branca, apoiados por tendência da moda ou por instituições benevolentes que utilizam de seus trabalhos para ampliar a sua marca. Feito isto e esvaziado o trabalho, caem  no ostracismo. 

O ano de 2013 foi emblemático, neste sentido, por demonstrar claramente como o Estado é ainda truculento, despreparado e ineficiente quando se dá frente com as questões básicas e necessárias da população.

A tolerância com os protestos por parte do estado brasileiro ficou demonstrada: é zero. O caso mais emblemático é o desaparecimento e assassinato do pedreiro Amarildo, que ironicamente, não participara da manifestação. A manifestação serviu de pano de fundo, para policiais corruptos fazerem o que já queriam ter feito antes. Sumiu após ser chamado à uma Unidade de Polícia Pacificadora em seu bairro, Rocinha - Rio de Janeiro. Seu caso, assim como o de muitos outros, é ampliado e nos propõe desafios, exatamente por estarmos vivendo em uma democracia consolidada. Será verdade ou caminhamos ainda em terreno frágil ?

A pergunta que nos toca, entre tantas, é: onde estão os artistas? Abriram mão de seu direito (e dever) de posicionarem-se e de ocupar o espaço ? Estariam embriagados pelo “sucesso” fácil das redes; de sua egolatria e dos quinze minutos de fama que Warhol profetizava?

A tecnologia, esta poderosa arma de construção de novas realidades e narrativas, está aí, a nosso dispor! Traz consigo, as ambivalências, subjetividades e toda a complexidade ideológica do meio para qual foi criada. E este, mais uma vez, é o desafio a que os artistas, ativistas e pessoas que se apropriam dos meios de produção de forma legítima, verdadeira, deverão entre tantos outros cenários possíveis, enfrentar: desorganizar as configurações de dominação pré-existentes já formatadas pelas nova tecnologias e descobrir outras possibilidades de construção das realidades.

A tecnologia, em absoluto, não é o inimigo! Não fosse a rede você não estaria lendo isto agora. Provavelmente nem nos conheceríamos.

Diante deste panorama apresentado, convidamos os artistas e não artistas de todo o mundo para enviar trabalhos postais em qualquer técnica, material ou suporte, com dimensões 10x15cm e que tenham como tema principal a idéia de arte como resistência, contra a repressão e a ditadura; (r)existência poética a toda forma de morte imposta pelo poder institucional; arte que se levanta em favor da vida e da livre expressão; todos os subtemas que possam abrir reflexões sobre os 50 anos passados do golpe que marcou nosso país e nossas novas gerações. Para que não nos esqueçamos e mais ainda, para que possamos construir novas utopias possíveis.
Esperamos seu trabalho! Abraços fortes, arte e vida sempre!

   
por Alexandre Gomes Vilas Boas, Dudu Gomes, Lara Leal e Sérgio Augusto
1964-2014: 50 ANOS DE ARTE CONTRA O ESTADO
Formato: Postal 10x15cm
Técnica: Livre


   
Coletivo 308
a/c Alexandre G Vilas Boas
Caixa Postal 1004
Guarulhos/SP
07051-970 BRASIL

Ecatú Ateliê
Caixa Postal 082
Olinda/PE
53120-970 BRASI

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A arrogância dos ignorantes virtuais

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Redes sociais são vítimas de uma praga: o palpitiero preguiçoso, que diz tolices sem pesquisa alguma – e é aplaudido por seus pares
Por Marília Mosckovich, na coluna Mulher Alternativa
Imaginem a seguinte cena: uma pessoa que se formou, digamos, em administração de empresas, mas já foi ao médico muitas vezes na vida. Numa mesa de debate, à sua frente, médicos e agentes de saúde pública discutem a forma como certo vírus é transmitido para populações distintas. O administrador se levanta e, gentilmente, faz uma colocação:
- Os senhores me perdoem, não sou médico, claro, mas também não concordo com isso que estão dizendo.
Os médicos e agentes se entreolham e pergunta ao administrador com o que ele não concorda.
- Ora, está claro pra mim que o vírus é transmitido mais frequentemente para populações brancas. Eu sou branco e conheço muitas pessoas brancas, e várias delas tiveram esse vírus.
Os números apresentados pelos agentes de saúde pública nos cinco minutos anteriores à colocação do administrador mostram o oposto: devido a certas condições de moradia em comunidades negras, o tal vírus era mesmo mais frequente entre pessoas negras. Os agentes pacientemente explicam os números novamente ao administrador, que se levanta e, saindo da sala, grita:
- Ditadores! Vocês não sabem dialogar! Vocês só querem ouvir quem concorda com vocês!* * *
A cena que descrevi acima é frequente em praticamente qualquer debate político, especialmente na internet, em que as pessoas parecem mais confortáveis com a própria ignorância, sobretudo quando ela rende reações positivas de leitores. Quer dizer, na internet é muito fácil encontrarmos quem pensa exatamente como pensamos, e isso dá uma sensação (falsa) de que o que pensamos realmente deve ser verdade. A experiência pessoal, individual, sem qualquer reflexão ou informação crítica sobre ela, é reivindicada por grande parte das pessoas como um dado. Como se devesse, de fato, ser tratada da mesma maneira que um dado ou informação construídos por meio de anos ou décadas de trabalho de pesquisa, investigação, etc.
No caso dos debates que estão ligado a áreas técnicas – meio ambiente, saúde, saúde pública, etc. – essas atitudes parecem ser menos comuns, embora ocorram. Quando se trata de debates sobre política, cultura, sociedade, porém, a coisa é ainda mais feia. Troquem a cena descrita acima por um debate sobre a questão indígena, com antropólogos e lideranças indígenas discutindo e um mergulhador que não tem qualquer formação ou experiência na área fazendo a colocação. Parece familiar?
Enquanto socióloga, encontro embates desse tipo todo o tempo, seja na discussão política de esquerda, seja no feminismo. Ser feminista ou ser de esquerda realmente não é difícil. Basta propósito e ações comuns. Nos identificamos com elas, acompanhamos debates, nos envolvemos de várias maneiras – todas válidas. No entanto, se desejamos crescer como movimento ou como ativistas, é preciso mais do que meia dúzia de textos de internet (ainda que textos de internet sejam, sim, um excelente começo).
Tanto o pensamento feminista quanto o pensamento de esquerda são recheados de conflitos e contradições internas, claro. A diferença é que, ao ler autores que dedicaram décadas e formular explicações, investigar questões empíricas, filosóficas ou teóricas sobre o assunto que nos interessa, não estamos lendo uma discussão de comentários em Facebook. Estamos lendo um debate construído sobre dados e pensamentos consolidados, que não se baseiam em experiência pessoal, individual ou em “opinião”. Esses textos, ainda por cima, costumam nos situar em relação aos posicionamentos que tomamos: de onde vêm certas percepções e posições que temos, enquanto militantes e ativistas, sobre a causa, as estratégias, o mundo? Já dizia Marx: somos seres tributários de nossa história. Enquanto militantes não é diferente.
Ao mesmo tempo é importante avisar aos navegantes dessa onda que ninguém, mas ninguém mesmo, tem a obrigação de ser professor particular voluntário e te explicar o pensamento de autores, as teorias, os conceitos e os textos que talvez se esteja com preguiça de ler. A informação hoje está disponível com muita facilidade; com poucos segundos de Google Acadêmico é possível encontrar textos, boas análises sobre eles, apresentações de autores, entre outros. É só se dar o trabalho de procurar, ler e conversar com outras pessoas sobre aquilo. Assim crescemos.
Para facilitar esse caminho das pedras – de encontrar leituras, compreender a relação entre elas, conhecer autores e discutir com quem também está lendo ou leu aquele material – há alguns sites e cursos, online e presenciais, que se propõem a fazer esse tipo de introdução (sem falar em coleçõezinhas que várias editoras têm, apresentando autores, temas ou perspectivas teóricas de diversas áreas das ciências humanas e sociais). A Universidade Livre Feminista, ou o Arquivo Marxista da Internet.
Foi justamente com esse propósito também que criei, no finzinho de 2013, alguns cursos introdutórios sobre feminismo – e gostaria de convidar brevemente as leitoras e leitores a conhecê-los. Neste mês de janeiro, em São Paulo, haverá quatro encontros temáticos para quem quer saber um pouquinho mais sobre feminismo antes de entrar em leituras e estudos. Um beabá geral, para o qual vocês podem se inscrever aqui. Em fevereiro, na modalidade à distância, ofereço um curso de teoria de gênero (saiba mais e se inscreva, aqui). Além de tudo isso, pra quem já conhece um pouco de feminismo e deseja aprofundar seus estudos de maneira constante, lendo de debatendo com outr@s interessad@s, comecei um grupo de estudos permanente, online (veja aqui).
Essa é minha maneira de responder a uma necessidade que aparece em quase todo debate. Há sempre muita gente que não está interessada, claro, e sempre haverá. Mas também há muita gente que se perde em meio a tanta informação disponível (afinal, buscar no Google não é sempre algo fácil de óbvio como eu mesma fiz supor ainda há pouco) – e que realmente deseja estudar e entender a coisa de forma mais estruturada.
Aproveitemos o ânimo de ano-novo para pensarmos, em 2014, um ciberativismo feminista novo: com um debate menos baseado em desafetos pessoais, experiências individuais e achismos, e mais baseado no que existe de conhecimento feminista acumulado sobre o mundo (e não é pouco!). No ano que passou conseguimos atenção e ampliação da participação online sobre uma série de questões caras a nossas lutas. Agora temos a opotunidade única de promover um crescimento qualitativo do nosso movimento!
Seja mais que bem-vindo, 2014. Meu otimismo me diz que será um ano bom para o feminismo na internet (e, espero, fora dela também).
Um feliz ano, feministas de todo o mundo!
Nossa fonte: OUTRAS PALAVRAS