Artigo inteligente de PAULO NOGUEIRA BATISTA Jr publicado no blog NOCAUTE
Este blog se destina a discutir ideias e caminhos ligados à literatura, à vida de bem com a natureza, à construção de um país mais justo. Buscar ser feliz é nossa obrigação. Vamos falar de livros,artesanatos, bichos,plantas orgânicas, saúde,movimentos sociais. LULA PRESIDENTE!
segunda-feira, 29 de junho de 2020
Paulo Guedes, coautor do desastre
Artigo inteligente de PAULO NOGUEIRA BATISTA Jr publicado no blog NOCAUTE
https:/nocaute.blog.br/2020/
terça-feira, 23 de junho de 2020
Requião a Mino Carta
Roberto Requião: “Não assino
embaixo de frente democrática que não questiona a exploração do trabalho”
(Entrevista
de Roberto Requião a Mino Carta, publicada por Carta Capital em 23 DE JUNHO DE 2020)
Em entrevista a CartaCapital,
ex-senador defendeu mobilização por impeachment, mas destacou urgência de
proposta que supere crise econômica
O
ex-senador e ex-governador do Paraná Roberto Requião (MDB-PR) defendeu
mobilizações pelo impeachment, mas rechaçou a proposta de construção de uma
frente democrática que não questione a exploração do trabalho. Em entrevista ao
diretor de redação de CartaCapital, Mino
Carta, nesta terça-feira 23, Requião afirmou que apoia iniciativas voltadas
para exigir o impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, mas não
participará de movimentos que se dizem democráticos e, ao mesmo tempo,
sustentem reformas liberais que precarizem os direitos dos trabalhadores.
“Acho que são coisas diferentes. Tirar o Bolsonaro, assino embaixo. Mas
não assino embaixo de frente democrática que não questiona a exploração do
trabalho”, declarou.
Em sua visão, a aprovação de um projeto de impeachment nas atuais
condições é uma tarefa difícil, porque o Congresso Nacional e o Supremo
Tribunal Federal (STF) parecem apoiar abertamente as medidas econômicas do
governo federal. Ao mesmo tempo, Requião considera que as políticas de
austeridade do ministro da Economia, Paulo Guedes, colaboram para que o Brasil
entre em um cenário caótico após a pandemia do novo coronavírus.
“O impeachment do Bolsonaro, com esse Congresso Nacional eleito nas
circunstâncias em que foi eleito, com esse ‘centrão’, com o meu partido, que é
o MDB, incondicionalmente apoiador das medidas do Paulo Guedes e do Bolsonaro…
O impeachment congressual é muito difícil. Também por uma visão do STF, do
judiciário brasileiro, estão abertamente apoiando o liberalismo econômico proposto
pelo Guedes, a serviço dos interesses geopolíticos norte-americanos e do
capital financeiro no mundo”, afirmou.
Requião acredita que o Brasil está próximo de uma “crise brutal”, com a
previsão de queda de 6% a 11% do Produto Interno Bruto (PIB). Para superar os
efeitos das políticas econômicas do governo, Requião defende a formulação de um
projeto “suprapartidário” que combata as reformas liberais. No entanto, o
ex-senador que parte dos interesses por trás do “Fora, Bolsonaro” consistem na
manutenção das medidas adotadas por Paulo Guedes.
Em suas palavras, Bolsonaro é um “palhaço no picadeiro do circo
nacional”. Mas não basta a nós removermos o Bolsonaro e deixarmos o circo em
pé, que é patrocinado pelo mercado financeiro e operado pelo Guedes, segundo
ele diz.
“Se formularmos um projeto suprapartidário de empolgação nacional e de
devolução da esperança, nós saímos desse buraco. Agora, o Bolsonaro é uma
figura menor, uma consequência, um acidente que aconteceu no caminho dessa
direita. Eles não gostam do Bolsonaro, eles dizem ‘Fora Bolsonaro’ também.
Querem botar freio e bridão no ridículo do Bolsonaro para seguir com a reforma
liberal que já fracassou no mundo”, argumenta.
Na opinião do ex-senador, é preciso abrir uma proposta sustentável para,
a partir disso, criar um espaço democrático. Caso contrário, a tendência é
surgir movimentos de esquerda ou de direita “completamente insustentáveis para
o momento”. Entre as pautas cruciais, segundo ele, está a defesa aos direitos
trabalhistas, já desmontados com a aprovação da reforma trabalhista na gestão
de Michel Temer.
Requião critica privatização de empresas estatais
Para Requião,
o governo federal segue em projeto de dar “fim à nação” com a privatização de
empresas estatais estratégicas. A começar pela privatização da água e do
esgotamento sanitário, resumo da proposta que deve ser votada no Senado
Federal, na quarta-feira 24, no novo marco regulatório do saneamento
básico. O setor privado já mirava as empresas públicas de saneamento desde
o ano passado. O texto é amplamente criticado por especialistas e
entidades que defendem os direitos à água e ao saneamento. O argumento é de que
a privatização deve aprofundar desigualdades com o aumento de tarifas e a falta
de interesse de companhias privadas em atender locais longínquos.
“Não se pode servir ao povo e ao capital financeiro. O capital
financeiro está destruindo a humanidade. E essa loucura toda de privatizar a
água, como está em pauta no Congresso?”, protestou. “Eu vejo a crise chegando
com as bobagens do Guedes e o acelerador do coronavírus.”
Para Requião, é preciso estabelecer um “referendo revogatório” para
recuperar empresas estratégicas que foram vendidas ao setor privado. O
ex-senador citou uma carta que disse ter enviado a embaixadas para alertar aos
compradores de empresas estratégicas brasileiras que a prática é um “crime
contra o país”.
“Quem estava comprando empresas estratégicas brasileiras, estava
comprando de quem não podia vender. De quem não propôs, no processo eleitoral,
essa barbaridade. Estava comprando mercadoria roubada, portanto, cometendo
crime de receptação. E que, mais cedo ou mais tarde, teria que devolver o que
comprou dessa forma receptadora, sem indenização alguma. Nós precisamos da
Petrobras, do Banco do Brasil, da Eletrobrás. E o que eu vejo? É que, apesar da
crise do Queiroz, o que acontece é o avanço do fim da nação. Agora, com a
tentativa de venda das empresas de saneamento e de purificação de água, o que é
um crime contra o país”, disse.
Outra
prioridade defendida por Requião é tirar o Banco Central da dominação dos
bancos privados. Conforme mostrou CartaCapital,
estabelecer a chamada “autonomia” do Banco Central é uma bandeira de grandes
alas parlamentares no Congresso. No entanto, especialistas afirmam que descolar
o Banco Central da política econômica do poder Executivo pode aumentar a
influência das empresas privadas do mercado financeiro sobre a instituição.
Para Requião, é urgente que o Banco Central esteja alinhado com demandas
sociais, como o combate ao desemprego.
“Começa tirando o Banco Central da mão do Bradesco, do Santander e do
Itaú. O Banco Central tem que ser vinculado a um projeto nacional, subordinado
à proposta do presidente da República, eleito pela maioria. Nos Estados Unidos,
o Banco Central se destina à estabilidade da moeda e à manutenção do nível do
emprego”, afirmou
Fonte: Carta Capital
A falsa indignação da direita brasileira
POR JOSÉ
DIRCEU
(Publicado no Blog NOCAUTE em 23/08/2020 (1))
Ao ignorar o movimento de um amplo arco de forças
políticas e sociais que defende o impeachment de Bolsonaro, a direita
brasileira, que insiste em apoiar a política econômica suicida do governo,
revela seu egoísmo e falta de compromisso democrático.
Vivemos momentos de imprevisibilidade
e instabilidade agravados por uma crise humanitária e, no caso do Brasil, por
uma profunda crise política institucional, social e econômica. O golpe de 2016,
a Lava Jato, o governo Temer e a vitória de Bolsonaro representaram o fim do
pacto constitucional de 1988. Rasgado única e exclusivamente pela oposição de
direita, com apoio da mídia monopolista, conivência da Suprema Corte e sinal
verde dos militares que não vacilaram em vetar o habeas corpus para Lula.
Assim, nossas elites políticas,
empresariais, militares e judiciais criaram as condições para a vitória de
Bolsonaro e para sua própria derrota, tudo em nome de seus interesses expressos
hoje na politica econômica, se é que se pode chamar assim, de Paulo Guedes, o
ultra liberalismo tardio, o desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social.
O
mais grave é que persistem na mesma toada, buscam saídas com Bolsonaro, com
Mourão, se recusam a apoiar seu impedimento apesar do desastre humanitário à
vista. Uma tragédia nacional com mais de 50 mil mortos e 1 milhão de
infectados.
Mesmo neste cenário de guerra, nada
faz nossas elites abandonarem seus privilégios e interesses de classe. O
adversário, para elas, não é o risco de um golpe ou o desastre em todas frentes
do governo Bolsonaro e sim a esquerda e sua provável ou possível volta ao
governo.
Bolsonaro segue acuado, mas atacando.
Perdeu as ruas e seu isolamento cresce a cada dia. Daí a pergunta que é feita
por todos: por que o PSDB se opõe ao impeachment, seguido pelo silêncio do DEM
e MDB? A resposta é simples. Estes partidos querem se livrar de Bolsonaro, até
porque avaliam que a seguir no seu ritmo ele levará novamente a esquerda ao
poder, mas não querem assumir nenhum compromisso democrático, social ou
econômico.
Questão
de fundo
Há uma questão democrática de fundo.
O PSDB não aceitou o resultado das urnas de 2014 e, na prática, não aceita uma
alternativa de governo de esquerda, seja do PT ou de outro partido. A causa
desse veto é que, com um governo de esquerda, não há espaço para suas políticas
neoliberais e de Estado mínimo, espoliação máxima dos trabalhadores e
concentração da renda sob a batuta do capital financeiro.
E o cenário internacional, com a
gravidade da crise que se avizinha pós pandemia, também mostra-se desfavorável
às políticas que sustentaram até aqui o ideário tucano.
Os
acontecimentos recentes no Chile, no Equador, na Colômbia; a vitória de
candidatos de esquerda no México e na Argentina; os movimentos de protesto e
resistência nos Estados Unidos são sinais de alerta para os partidos
brasileiros de direita. São sinais de que a roda na história não parou e de que
as classes trabalhadoras não aceitarão sem luta a continuidade do capitalismo
real brasileiro, um dos de maior concentração de renda, riqueza e propriedade
do mundo. É o fantasma de Lula que os assombra.
Se dependesse dos militares e de
Bolsonaro, a esquerda já estaria excluída da vida institucional do país. A
nossa direita liberal não fica atrás: faz de conta que não há uma interdição
política a Lula e uma constante criminalização do PT e tentativas de fazê-lo
com a luta social, de classes.
Esse equilíbrio instável e
imprevisível que vivemos será rompido via impeachment ou cassação da chapa por
pressão pelas ruas assim que a pandemia permitir. Nessa hora, a questão que se
colocará é quem conduzirá a ruptura e a transição e qual será o seu caráter e
duração e saída – provavelmente nas eleições de 2022.
Correlação
de forças
Hoje, a correlação de forças não
favorece as esquerdas, seus partidos políticos e movimentos sociais, com o MST
à frente pelo maior poder de mobilização e apoio. Vamos lembrar sempre que
Haddad obteve no primeiro turno de 18,32 milhões de votos, que as classes
médias, sejam progressistas ou conservadoras, sairão às ruas depois da pandemia
e que os setores mais explorados dos trabalhadores se mobilizam e já estão nas
ruas. Poder de fogo que não coloca as esquerdas na liderança, mas é o
suficiente para explicar o jogo de cena e de sombras ensaiado pela oposição de
direita, o apoio explícito do centrão ao governo e as decisões constitucionais
e de direito da Suprema Corte, que buscam colocar limites a Bolsonaro, como se
isso fosse possível, de preferência chegar até 2022 com ele enquadrado.
Há uma variante, para além da
alternativa de esquerda, que perturba os sonos e sonhos de nossas elites — o
fantasma de Geisel, o Pro Brasil, o papel do Estado. É bem verdade que todos os
indícios são de que os militares aderiram ao ultra liberalismo tardio, mas, por
sobrevivência política e pragmatismo, podem optar por uma outra política
econômica.
As
esquerdas vivem seus dilemas. PDT, PSB, REDE, PV e Cidadania optaram por uma
aliança de centro-esquerda. Foram os primeiros a pedir o impeachment e,
nitidamente, se afastam do PT, apesar da ação conjunta na Câmara e no Senado e
entre as fundações partidárias e da luta comum pelo impedimento do presidente
com o PT, PC do B, que está mais próximo deles, PSOL, PSTU, PCO e PCB.
Para o PT, o Fora Bolsonaro e o
impeachment são o centro da luta. Mas a ausência das ruas e das mobilizações e
o inaceitável impediento de Lula, com seus direitos políticos suspensos por uma
condenação que deve e precisa ser anulada, coloca o PT, junto com toda
esquerda, na defensiva. Isso abre espaço para que a direita liberal, com apoio
da mídia e de seu peso institucional e econômico, busque saídas de compromisso
com os militares e Bolsonaro.
O aprofundamento da crise sanitária,
fruto da política genocida do governo e seus aliados; o crescente isolamento do
Brasil no mundo com reflexos imediatos no comércio exterior e nos
investimentos; a insuportável incompetência e ineficiência em todas frentes,
sanitária, ambiental, educacional, cientifica, cultural, agravada pelos
gravíssimas denúncias contra os filhos e a família de Bolsonaro; e as
investigações e inquéritos sobre os crimes cometidos pelo presidente na
campanha de 2018 e no governo compõem o cenário dramático que envolve o
presidente da República. E, tudo indica, o obrigará a um acordo o que não
condiz com a natureza e os objetivos autoritários de seu governo.
Em
que país vive a elite?
A direita brasileira parece viver em
outro pais, o que revela seu egoísmo e sua falsa indignação com Bolsonaro.
Insiste com a imediata retomada da austeridade, das privatizações, das chamadas
reformas, da manutenção do teto de gastos, regra de ouro, já fala em superávits
em 2021 e 2022.
Para as classes trabalhadoras propõe
mais sacrifícios e mais privações de seus direitos e espera que não aconteça
nada. Ledo engano, haverá luta e grandes batalhas.
Sem
compromisso democrático e sem nenhum aceno de mudanças na política econômica
suicida, o que esperar? Nada além de um acordão que exclui uma saída
democrática como foi a campanha das Diretas Já, onde havia um compromisso que
desaguou na Constituinte de 1988. Um acordão que ignora a classe trabalhadora e
o povo pobre do nosso país, que solapa seus direitos trabalhistas, sociais e de
cidadania.
A oposição a Bolsonaro no país é
ampla geral e irrestrita. Basta ver os manifestos, o apoio das entidades ao STF
e em defesa da democracia. A oposição já está nas ruas e forma um amplo arco de
forças sociais e políticas. Quem não ouve o país e essa maioria é a oposição de
direita que se recusa a evitar o pior e abraçar já o impeachment.
Essa é a única escolha que nos impõe
nossa consciência moral e responsabilidade política, custe o que custar. Com
todos riscos, devemos lutar sem tréguas pelo fim do governo Bolsonaro.
(1)A foto que ilustra o artigo em seu original, publicado no NOCAUTE, não cabe no Libertas)
Fonte: NOCAUTE (Blog de Fernando de Moraes)
domingo, 21 de junho de 2020
Em tempo de pandemia... eles se encontraram.
Morava em uma pequena cidade do interior paulista. Era o
terceiro filho de um casal de comerciantes. Os seus 10 anos foram comemorados
junto com o nascimento da irmã caçula que, a partir de então, lhe roubou todas
as festas e muito mais. Havia momentos em que pensava como faria para
sufocá-la. Perdia-se em fantasias tenebrosas.
Trocava o travesseiro – viu um filme em que o ladrão matou a dona da
casa com uma almofada – pelo cobertor, depois voltava porque já havia a
experiência bem-sucedida do ladrão e ninguém viu, nem ouviu. No dia em que Betinha completou dois anos, ela estava dormindo depois do almoço. Todos da casa
preparavam, na cozinha, a festa para mais tarde, com os enfeites e a toalha da
mesa cor de rosa. Maurício sentindo muita raiva, decidiu que sua irmã precisava
desaparecer imediatamente. Iria perder a comemoração do seu aniversário, mas já
não tinha mesmo festa. Era tudo para ela, a gracinha da família. Foi até a cozinha verificar se estavam mesmo todos
lá. Conferida a situação, passou pela sala, pegou uma almofada e subiu para o
quarto onde dormia a queridinha da mamãe.
Quando se debruçou no berço, Betinha
acordou, olhou para ele e sorriu, levando as duas mãozinhas no rosto do irmão à
guisa de carinho. Ela puxou o cabelo dele e ria, gargalhava vendo-o todo
despenteado. Ele a pegou no colo, esqueceu de seu propósito – que propósito? -
e começou a rodopiar com ela.
Maurício estava no seu quarto, na pensão onde morava, há
quatro anos. Escolhera o bairro Butantã por estar perto da USP, estuda lá,
terminara o curso de filosofia. Ficou querendo entender o motivo de aquela cena
vir à sua cabeça, após tantos anos. A terapia já dera conta de mostrar que ele
não era um assassino. Até riu lembrando-se da cena que montara no psicodrama e
da farra que Belinha fez quando soube.
Formara-se em dezembro, seu pai foi o único que pôde vir. Os
dois foram juntos para casa e depois de um mês de férias, Maurício voltou para
continuar as aulas que dava num cursinho e começar o mestrado.
Agora, estava preso naquela casa sem poder dar, nem ter
aulas. A quarentena o pegou de calças curtas. Não estava preparado para ficar
no isolamento. A pensão lhe fornecia o café da manhã, mas as outras refeições
ele as fazia na Universidade. A dona da pensão lhe avisou que iria para a casa
da filha e falou que a moça da limpeza ficaria na casa e continuaria a lhe dar
o café, mas somente na primeira semana. Então, ele já não tinha nem mais o
café, mas a cozinha estava à sua disposição. Grande ironia! Não sabia sequer
fritar um ovo.
Nos três primeiros dias, foi até a padaria e comprou pão e
queijo que passaram a ser suas refeições. No quarto dia, seu estômago avisou
que não aceitaria mais os dois ingredientes. Ainda titubeou, pois não sabia
cozinhar, mas resolveu ir ao supermercado para comprar comida congelada. Ao ver
os preços, teve um choque, seu dinheiro não daria para comer durante uma
semana. Pensou em frutas e salada. Novo choque, as frutas competiam com os
congelados. Comprou arroz, feijão, ovos e alguns legumes. Entre triste e
irritado foi para casa.
No caminho, ao passar por uma pracinha, tropeçou, caiu e
suas sacolas com todas as compras se espalharam. Soltou um palavrão e ouviu uma
vozinha gritar: - Ih! Não pode dizer nome feio. – Ainda sentado devido ao
tombo, viu um garoto vindo em sua direção e logo começar a devolver tudo às
sacolas. Quando estava com todas as compras dentro novamente, agradeceu a ajuda
e, só então, olhou direito para o menino e viu que estivera chorando. Estava
com roupas bem usadas, mas limpinhas.
- Que idade você tem?
- Já tenho 12 anos – Maurício repetiu: - 12 anos, a idade da
Betinha, minha irmã caçula. – Pensou que agora sabia porque acordara se
lembrando da maledeta cena.
- Qual o seu nome?
- Marcos.
- O meu é Maurício. Muito prazer, Marcos.
- Muito prazer, Maurício.
- Por que estava chorando?
- Minha mãe foi levada para o hospital. – Maurício ficou
assustado e fez um esforço para se lembrar de onde o menino havia colocado a
mão e também se afastou um pouco, embora estivesse com máscara e luvas.
- Você mora com quem mais? Seu pai?
- Não. Só moro com minha mãe. Vim para a praça porque fiquei
com medo de ficar sozinho. Minha mãe não me deixa sair de casa, nem para ir à
escola. Ela diz que é perigoso pegar uma doença feia, mais feia que o Bozo.
Maurício achou graça e perguntou se ele se referia ao
palhaço e o menino muito sério respondeu:
- Não. O tal que roubou tudo dos
empregados. Mãe disse que ficou sem emprego por causa dele. Não gosta de gente
que nem nós. Também não gosta de mulher, nem de boiola, nem de preto, nem de
índio. Você é boiola?
- Não. - Num impulso, Maurício chamou: - vem comigo. Você
sabe cozinhar?
- Sei fazer arroz.
- É mesmo?! Então vamos logo porque estou morrendo de fome e
você vai me ensinar a fazer arroz.
Foram andando e Marcos quis ajudar a levar
as sacolas, mas Maurício agradeceu. Ele já estava achando que se deixara levar
pela fome e não sabia o que fazer com o menino, cuja mãe podia estar com o
Corona vírus. Na medida em que andava, ia pensando em como sair daquela
situação. Percebeu que não conseguiria retirar o convite e deixar o menino ao
deus dará. Ele próprio estava com muita fome, sabia que Marcos deveria também
estar. Ao chegar na pensão, retirou o sapato e pediu para seu companheiro fazer
o mesmo. Deixou as sacolas na entrada e foram ambos para o banheiro no
apartamento onde Maurício morava. Lá tirou a roupa que separou e fez o garoto
também ficar nu e entrar para debaixo do chuveiro. Pegou uma camiseta sua e deu
para ele se vestir.
Foram para a cozinha. Parece que o menino sabia mesmo fazer
arroz e, como não alcançava o fogão, foi dando a receita e Maurício fazendo.
Enquanto o arroz cozinhava, trocaram ideias de como poderiam comer os ovos.
Chegaram ao consenso de que o mais fácil era cozinhá-los. Maurício colocou a
água no fogo com meia dúzia de ovos. A
fome era grande demais, comeram uma banana cada um e um copo de leite.
Com a fome um pouco aplacada, Maurício foi lavar as roupas
do menino. Contente por saber como fazer já que suas roupas, quando o bolso
está vazio, o que significa a maior parte dos dias, ele lava suas roupas e a
dona da pensão não disponibiliza a máquina.
- Maurício, Maurício – Era um chamado urgente. – O arroz
está queimando!
- Com o fogo desligado, Marcos falou que precisava provar
para ver se devia pôr mais água. Maurício, cuja fome voltara maior ainda, quis
ignorar o aviso, mas a voz da mãe falou mais alto e Marcos: - Mãe fala que
precisa provar. – Deu a colher para o rapaz e insistiu: - prova.
Com um grande suspiro, a prova foi feita e ignorada, porque
o arroz ainda estava meio duro, mas os ovos já estavam no ponto. Resolveram
comer.
Depois que comeram, Maurício lavou os teréns e Marcos falou
que a mãe punha roupa para secar atrás da geladeira. Foi pegar sua roupa no
varal, mas não alcançou e os dois riram da figura do menino com a camiseta que quase
chegava a seus pés. O rapaz ajudou e o menino copiou o que vira a mãe fazer.
Maurício falou que precisava conversar sério com o garoto
que foi logo falando:
- quando minha roupa secar, é pra mim se mandar? – Maurício
ficou penalizado, mas aproveitou os erros para aliviar a tensão: - Olha aqui,
minha professora me ensinou que mim só come capim. – O menino olhou assustado e
perguntou: -sua professora te ensinou o quê?! Maurício riu e falou: - você está
achando que ela me ensinou a comer capim?! - Foi?!
- Não. Você disse pra
mim se mandar. O mim não faz nada quem faz é o eu. Então o certo é dizer
para eu me mandar. – Notando que os olhos do garoto se enchiam de lágrimas,
Maurício continuou: - ah! Não precisa
ficar chateado, eu entendi o que você falou e vamos conversar para nos conhecer
melhor.
Os dois se acomodaram ao redor da mesa da cozinha, que,
agora, era só deles já que não havia mais ninguém na casa. Maurício ficou
emocionado com o que ouviu. Marcos mora com a mãe que vende sacos de aniagem
para uma fabriqueta de ninhos de passarinhos. Ela busca os sacos em lojas de
atacado que recebem os sacos embalando algumas mercadorias e os cortam ao meio
para facilitar a retirada do que está dentro e os descartam. Luzia – é seu nome
– ela os costura e vende bem mais barato do que os sacos inteiros, não usados.
Marcos explicou que a mãe, muitas vezes, fica doente e a bombinha que usa não
adianta, ela vai ficando com falta de ar. Desta vez, Marcos correu e pediu para
a vizinha ir ajudar porque a mãe estava ficando roxa e ele, muito assustado. Outro vizinho que tem um caminhãozinho levou
Luzia.
Maurício, depois de muitas perguntas, acabou sabendo que
alguém que mora perto da Luzia tem um celular. Ligou e quase entra em colapso,
soube que Luzia havia morrido na porta do hospital “Também – disse a dona do
tal celular – não iriam deixar ela entrar. Ainda bem que o filho não apareceu
por aqui, porque um fulano que diz que é tio dele quer levá-lo para pedir
esmola.” Marcos estava no banheiro e
Maurício, em pânico, completamente desarvorado. Pelo que o menino falou, ele e
a mãe eram muito pobres, mas ela o cuidava com muito carinho. Não tinham mais
ninguém. Não conhecia seu pai. A mãe contou que fugiu de casa para se casar e o
pai morreu quando ele tinha só três meses. Não sabe nada dos avós. Nestes
últimos dias, a mãe não deixou ele ir à escola e ela não podia ir buscar os
sacos por que as lojas estravam fechadas, mas ela não deixava ele passar fome.
Quando Marcos voltou, Maurício só sabia de uma coisa, os dois passariam a tal
pandemia juntos.
quarta-feira, 3 de junho de 2020
"A ordem mundial acabou."
(Publicado originalmente em Internacional Progressista)
Luiz Inácio Lula da Silva e Celso Amorim
Desde o início
deste ano, e com maior intensidade desde o mês de março — quando a Organização
Mundial da Saúde (OMS) declarou a propagação da COVID-19 como pandemia —
governos e sociedades civis vêm lutando contra uma crise de proporções nunca
vistas antes.
Vidas estão sendo perdidas aos
milhares em um único dia, em todos os cantos do mundo. As economias, que mal
haviam se recuperado da crise financeira da última década, estão passando pela
mais grave crise desde a Grande Depressão dos anos 30.
Os sistemas políticos estão
sob estresse, enquanto líderes populistas autoritários tentam usar o sentimento
de insegurança trazido pela pandemia para aumentar seu próprio poder pessoal,
enfraquecendo assim democracias já frágeis. Alguns deles, de Donald Trump a
Jair Bolsonaro, adotaram uma atitude de negação, ignorando recomendações de
cientistas e especialistas em saúde.
Com esse horroroso quadro ao
fundo, a cooperação internacional vem sofrendo duros golpes. O comportamento
egoísta de alguns líderes está impedindo que os mais necessitados tenham acesso
a produtos essenciais para lidar com a pandemia. Atos de pura pirataria estão
sendo praticados pelos mais poderosos. Ao mesmo tempo, organizações
multilaterais, como a OMS, estão sendo privadas de recursos sob falsas
acusações de parcialidade política. O Conselho de Segurança da ONU, o mais
poderoso órgão internacional, não consegue chegar a nenhuma decisão, ou mesmo a
uma recomendação minimamente significativa, em relação a esta tragédia. Órgãos
informais, como o G20, não conseguem superar as diferenças entre seus membros e
não são capazes de aprovar um plano de ação para enfrentar a crise.
Tudo isso ocorre enquanto
apelos do Secretário-Geral da ONU e do Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Direitos Humanos — ecoados, entre outros, pelo Papa Francisco — para que se
suspendam as sanções unilaterais, de modo que nações-alvo, como Irã, Cuba e
Venezuela possam ter acesso a recursos para adquirir material médico essencial
e receber assistência humanitária, são claramente ignorados. O multilateralismo
está sendo vergonhosamente abandonado.
Parece haver um
consenso quase universal de que o sistema mundial terá que ser reconstruído de
forma muito fundamental. A questão é: Como?
Olhando para o futuro — e
supondo que o pesadelo atual acabará se dissipando, embora apenas após imensas
perdas humanas, em termos de vidas e bem-estar — a frase que muitas vezes se
ouve a respeito das conseqüências da pandemia é: "o mundo nunca mais será
o mesmo". E, de fato, é de se esperar que a humanidade aprenda as lições
dessa investida inesperada de uma entidade microscópica que continua a trazer
morte e miséria, especialmente para aqueles que estão no fundo de nossas
sociedades desiguais.
A pandemia abalou os pilares
do nosso modo de vida e, juntamente com eles, da ordem internacional. Parece
haver um consenso quase universal de que o sistema mundial terá que ser
reconstruído de forma muito fundamental. A questão é: Como?
Para muitos analistas, estamos
entrando numa espécie de "nova guerra fria" - ou algo ainda pior -
como resultado da chamada "Armadilha de Tucídides", uma expressão
criada pelo diplomata-que-se-tornou-acadêmico, Graham Allison, para indicar o
potencial de conflito decorrente do surgimento de uma nova superpotência,
desafiando a até então dominante.
Segundo essa visão, a
"ultrapassagem" dos Estados Unidos pela China, processo que parecia
inevitável mesmo antes da pandemia, será acelerada, gerando grande
instabilidade. Ao mesmo tempo, muitos governos e os povos que representam,
desconfiados de uma globalização desenfreada, baseada na busca grosseira pelo
lucro — principalmente pelo capital financeiro — serão tentados a mergulhar em
algum tipo de isolacionismo, céticos quanto ao valor da cooperação
internacional.
A humanidade pode entrar em
uma nova era de "guerra de todos contra todos", com enormes riscos
para a segurança e prosperidade da humanidade. Um mundo já extremamente
desigual se tornará ainda mais, levando adiante todos os tipos de conflitos e
convulsões sociais. Nesse contexto, o recurso unilateral à força armada pode
tornar-se ainda mais freqüente, prejudicando ainda mais o diálogo e a
cooperação pacífica.
Não tem que ser necessariamente
assim. Tanto nações quanto indivíduos podem tornar-se menos dominados pela
arrogância e compreender a necessidade de solidariedade e humildade para
enfrentar os desafios colocados pela natureza e pelas ações (ou inações) dos
próprios seres humanos. Não é impossível — é aliás, imperativo — que um certo
número de Estados ou entidades supranacionais, como uma União Europeia
renascida, e instituições de integração dos países em desenvolvimento da
América Latina, África e Ásia (que terão de ser reforçadas ou recriadas),
busquem alianças e parcerias, de forma a contribuir para a criação de um mundo
multipolar, livre da hegemonia unilateral e da esterilidade de confrontos
bipolares.
Tais alianças, construídas com
“geometria variável”, permitiriam uma re-fundação da ordem multilateral, sobre
princípios do verdadeiro multilateralismo, segundo os quais a cooperação
internacional possa florescer de fato. Nesse cenário, China, EUA e Rússia podem
ser convencidos de que o diálogo e a cooperação são mais benéficos que a guerra
(fria ou não).
"Soar
utópico não é impedimento à ação coletiva."
Isso somente acontecerá, no
entanto, conforme países individuais, especialmente aqueles que estejam em
condições de exercer uma liderança natural não-hegemônica, encontrem formas de
democratizar seus próprios sistemas políticos, tornando-se mais capazes de
responder às necessidades de seus povos, especialmente de seus setores mais
vulneráveis. Justiça social e governo democrático deverão caminhar de mãos
dadas.
Pode soar utópico pensar
nesses termos em um momento tão árido da história, no qual a própria
civilização parece estar em risco. No entanto, para aqueles de nós que creem na
capacidade humana de encontrar respostas criativas a todos os tipos de desafios
inesperados, soar utópico não é impedimento à ação coletiva. Nem deveria nos
fazer desistir e desesperar.
Uma versão deste artigo foi
originalmente publicada em inglês pelo India-China Institute.
Fonte: Internacional
Progressista
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