Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 5 de agosto de 2012

"Meu avô deixou arsenal valioso para luta contra capitalismo",

 diz neto de Trotsky



Em entrevista à Carta Maior, Esteban Volkov, neto do revolucionário russo León Trotsky, fala sobre as memórias que conserva do avô no ano em que se completam 75 anos da chegada de Trotsky ao México. Volkov, que testemunhou o assassinato do avô por um agente stalisnista, defende a atualidade do pensamento e da prática de Trotsky no momento em que o marxismo adquire a cada dia mais vigência. 
Eduardo Febbro - Cidade do México

       Cidade do México - Esteban Volkov atravessou um século sem perder nada do que deixou para trás nem do novo no qual vive como se fosse um contemporâneo recém-chegado a este mundo de tecnologia e mentiras globalizadas. Esteban Volkov falava em francês com seu avô León Trotsky, cuja chegada ao México está completando 75 anos. O revolucionário russo havia fugido dos algozes de Stalin para se instalar neste país. Trotsky e sua mulher trouxeram Esteban Volkov de Paris. A história de Volkov criança é uma tragédia que a imensa alegria com que hoje se expressa não permite sequer adivinhar. Esteban Volkov não só é neto de Trotsky, mas também a única testemunha ainda com vida do assassinato de Trotsky por um agente de Stalin, o espanhol Ramón Mercader.
       O pai de Volkov foi deportado para a Sibéria em 1928 e desapareceu em um Gulag quando foi enviado para lá em 1935. Sua mãe escapou da URSS com ele e se reuniu com os Trotsky na ilha turca de Princípios. A vida não lhe deu descanso e ela se suicidou em Berlim em 1933. Esteban Volkov ficou só na capital alemã até que foi enviado a um internato de Viena e depois a Paris.
        Trotsky e sua esposa estavam exilados no México e conseguiram trazê-lo com eles. Houve um primeiro atentado contra Trotsky do qual toda a família saiu ilesa. Mas chegou um infiltrado, Ramón Mercader. No dia 20 de agosto de 1940, quando Esteban Volkov voltou do colégio, encontrou Trotsky com o crânio quebrado a marteladas. Volkov conta que Trotsky pediu que afastassem seu neto da cena.
       Esteban Volkov cresceu no México. Não faz política. Estudou engenharia química, mas sempre manteve viva a memória de León Trotsky através de um Museu, que é a casa onde viveu com seus avós, Trotsky e sua mulher. Hoje tem 86 anos e uma memória que não falha nunca. Em entrevista à Carta Maior, o neto do revolucionário russo evoca aqueles anos, o legado de Trotsky, sua obra, e os estragos do mundo atual.
- 75 anos depois da chegada de Trotsky ao México e quando transcorreram 72 anos de seu assassinato, o que a figura e o legado de León Trotsky podem representar hoje?      
 - Na medida em que o marxismo está adquirindo cada dia mais vigência, apesar de todas as vezes que o enterraram, sempre surge com mais vida. Um dos mensageiros e portadores e guias marxistas mais atuais é, indiscutivelmente, o grande revolucionário León Trotsky. Foi um personagem chave em um dos acontecimentos mais importantes da história contemporânea, que foi a Revolução Russa. Trotsky teve um papel vital nela. Mas o que é mais meritório nele, em todas as etapas nas quais interviu, é o fato de que transcreveu com minúcia toda aquela experiência histórica e política. Trotsky deixou um legado muito valioso, um arsenal ideológico revolucionário de grande atualidade e extremamente fértil e útil para todas as lutas revolucionárias atuais e futuras.
        Não resta dúvida de que o capitalismo está demonstrando que é um sistema totalmente obsoleto e injusto e que não cumpre em nada as necessidades do gênero humano. Ao contrário, o capitalismo está destruindo o planeta, está criando mais miséria, mais sofrimento. A necessidade de uma mudança é vital. Tenho certeza de que a maior parte da humanidade tomará consciência desta situação e lutará por outro mundo. É aí onde todo o arsenal ideológico de Trotsky é extremamente valioso. Hoje os meios de comunicação intoxicam as massas e acabam criando isso que Marcuse chamava de uma mentalidade unidimensional. Mas os processos de tomada de consciência são como relâmpagos.
- Muitos historiadores consideram que esse arsenal ainda está inexplorado.
        - Acontece que é muito vasto: não há uma área, não há um país que Trotsky não tenha considerado em suas análises. Qualquer documento que alguém leia de Trotsky é muito útil e instrutivo e com um grande acerto em suas análises. Por agora não há outra coisa melhor que o socialismo. O marxismo foi o único que fez um diagnóstico acertado do que é o capitalismo. Trotsky fez a mesma análise no que se refere ao que realmente era o burocratismo stalinista. Ninguém melhor que ele! Essa foi sua grande contribuição: ter analisado o bonapartismo stalinista.
        Lamentavelmente o trotskismo não escapou do rumo que conhecem todos os partidos políticos. Mas o prognóstico de Trotsky quando dizia “estou seguro da quarta internacional” está aberto, ainda não se cumpriu. Seus seguidores deveriam fazer que isso se tornasse realidade. Não tem que se fechar em uma redoma de cristal. Os partidos devem levar a cabo um trabalho ativo e revolucionário. Não tem que se fechar em um café para discutir e sentir-se grandes teóricos da humanidade.
- O México que Trotsky conheceu quando chegou há 75 anos era um país revolucionário. O de hoje é muito diferente.
         - Sim, ele chegou ao México quando ainda persistia o espírito e as ondas da Revolução. Ainda havia um clima revolucionário. Depois veio um processo de industrialização sob um regime capitalista e o México se afastou dos fundamentos da Revolução mexicana.
- Curiosamente, você protegeu o legado de Trotsky, mas, entretanto, não incorreu no campo da política.       - Você acredita que os crimes do stalinismo estão mal conservados pela memória em relação aos que Hitler cometeu?
- Você conservou viva a lembrança de Trotsky, por meio do Museu que está em Coyoacán, um pouco para resgatar essa memória?

        - Eu continuei morando nessa casa muitos anos com minha avó. Seu desejo sempre foi conservar esse lugar histórico. E não foi sem luta e sem esforço. Os stalinistas do México tentaram em muitas ocasiões aniquilar esse lugar. Até quiseram fazer um jardim de infância! Mas não conseguiram. Eu nunca me interessei pela política, mas por osmose estava a par de todas as dinâmicas das lutas. Mas Trotsky sempre me protegeu da política. Nos tempos do meu avô, ele dizia a seus secretários e guarda-costas que não falassem de política comigo. Ele tentava me afastar da política. Mas eu vivi uma vida normal, muito próxima dessa atmosfera de adrenalina que se vivia na casa de Trotsky. Era um estado de excitação muito agradável.
- Entretanto, você foi testemunha do primeiro atentado e do segundo, o que custou a vida a Trotsky.
       - Sim, no primeiro atentado, quando metralharam a casa, eu estava ali. Salvamos-nos todos milagrosamente. Um dos stalinistas esvaziou seu revolver sobre a cama onde eu estava escondido. Mas me encolhi e me salvei.
- Que pensa hoje de movimentos como o dos indignados ou o movimento estudantil mexicano YoSoy132?
       - É um início, o começo de uma consciência para assumir uma atitude de luta política. Acrescenta muito.
- Neste aniversário da chegada de Trotsky ao México, o que você recupera dele como mensagem, como compromisso além de sua obra?
       - Eu acho que o principal é o aspecto ético, moral, onde o agir deve estar coordenado com o pensar. O pensamento e a ação devem ser uma coisa só. A verdade deve estar acima de tudo. O exemplo é sua vida. Foi um guia, para mim e para minha família. Para minhas filhas, por exemplo, que não são marxistas nem revolucionárias, elas tem muito inculcado esse principio ético de absoluto respeito à verdade e à justiça.

Tradução: LIbório Junior
Fotos: Eduardo Febbr

Começa em SP exposição de obras-primas da pintura impressionista

Com 85 obras emblemáticas de pintores consagrados do movimento impressionista, a exposição Paris e a Modernidade: Obras-Primas do Acervo do Museu d’Orsay foi aberta neste sábado (4) na capital paulista, com a expectativa de atrair até 800 mil visitantes.
Pinturas de Claude Monet, Pierre-Auguste Renoir, Edouard Manet, Camille Pissaro, Edgar Degas e Vincent Van Gogh poderão ser vistas no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) até o dia 7 de outubro.

Reunindo 154 mil peças da produção artística ocidental de 1848 a 1914, o Museu d’Orsay “é seguramente um dos mais visitados e mais importantes do mundo”, diz a diretora da Expomus, empresa que organiza a mostra em São Paulo, Maria Ignez Mantovani. “É um museu nacional da França que guarda uma das mais completas coleções francesas.”

As obras trazidas ao Brasil, que ainda serão expostas no CCBB do Rio de Janeiro, são alguns dos destaques do museu parisiense. “São obras que estão efetivamente nas paredes do museu e que vão fazer muita falta lá”, enfatiza Maria Ignez. “Nós temos o Tocador de Pífaro, que é uma obra do Manet importantíssima, que, em uma primeira listagem, nem viria”, ressalta a diretora da Expomus, ao falar das negociações para trazer as peças ao Brasil.

Além de representativas da melhor produção impressionista europeia, as obras contam um pouco do momento histórico na França na segunda metade do século 19. “[O acervo] mostra essa Paris em transformação. E a relação com os artistas, essa grande questão entre produzir e trabalhar na cidade, nos ateliês, nos retratos, na vida íntima. E, ao mesmo tempo, as tentativas de fuga para o campo, que é o caso do Monet, por exemplo, que muda vários aspectos do próprio trabalho pictórico”, explica Maria Ignez.

Com a previsão de longas filas e vários dias de lotação, a segurança e iluminação ao redor do centro cultural foram reforçadas.

Agência Brasil       Nossa fonte: Vermelho

Caso Libor: corrupção na alta finança internacional

Immanuel Wallerestein (Nova York, EUA)



As crises se multiplicam no sistema capitalista em episódios como o 'escândalo da Libor'

Desde 4 de julho, os maiores jornais do mundo contam que há um “escândalo” envolvendo algo chamado Libor. Legisladores, dirigentes de bancos centrais e autoridades judiciais dizem o mesmo. Antes disso, poucas pessoas, fora do grupo que se interessa por bancos, tinha ouvido falar da Libor. De repente, nos disseram que os maiores bancos da Grã-Bretanha, Estados Unidos, Suíça, Alemanha, França – e provavelmente um grande número de outros países – estavam envolvidos em ações supostamente “fraudulentas”.

Além disso, explicaram-nos que não era questão de centavos. Derivativos financeiros de centenas de trilhões de dólares oscilam de acordo com a taxa Libor. A acusação era de que os bancos a “manipulavam”. As consequências não foram apenas lucros astronômicos: as pessoas que fizeram hipotecas e empréstimos pagaram mais do que deveriam. Resumindo: os bancos obtiveram lucros enormes às custas de outros, que perderam rios de dinheiro.

Tudo isso suscitou muitas questões. Como foi possível? Por que as autoridades reguladoras não interromperam uma prática que, agora, dizem ser tão fraudulentas; ou seja: quem sabia o quê e quando? E (3) alguma coisa pode ser feita para que isso não aconteça novamente?

Vamos começar com a definição da taxa Libor. É uma abreviação de London Interbank Offered Rate (Taxa Interbancária Praticada em Londres). Não é muito antiga: a versão definitiva é de 1986. Na época, a British Bankers Association (Associação dos Banqueiros Britânicos) pediu que os “maiores bancos” compartilhassem informação diárias sobre as taxas de juros que pagariam, se tomassem empréstimos de outros bancos. Depois de eliminados os valores extremos, uma taxa média era determinada, e modificada diariamente. A ideia era que, se os bancos se sentissem confiantes sobre o estado da economia, a taxa seria mais baixa; se estivessem inseguros, a taxa seria mais alta.

Quando a imprensa mundial passou a usar palavra “escândalo” para falar sobre a taxa Libor, ficou claro que o tema havia sido debatido muito antes, em ambientes menos visíveis. Parece que o Wall Street Journal havia divulgado, em 28 de maio de 2008 (sim, em 2008!), um estudo sugerindo que alguns bancos estavam minimizando os custos dos empréstimos. É claro, imediatamente apareceu gente dizendo que o estudo era impreciso ou, se preciso, irrelevante. Análises acadêmicas subsequentes sugeriram, portanto, que a acusação de manipulação dos custos era de fato verdadeira.

A questão era que quando um banco está lidando com US$ 50 trilhões em valores especulativos, uma pequena sub-notificação de taxas gera imediatamente um aumento significativo nos lucros. A tentação era óbvia. Acontece que, já no início de 2007, tanto o Federal Reserve Bank quanto oBank of England (os bancos centrais dos EUA e do Reino Unido) suspeitaram dessa sub-notificação. Nenhum fez muita coisa sobre o assunto.

Agora nos dizem que essas taxas não são nem confiáveis nem estáveis, mas meras “suposições”. Uma vez que o Lehman Brothers entrou em colapso, os bancos ao redor do mundo pararam de realizar empréstimos entre si. ONew York Times diz, numa matéria de 19 de julho de 2012: “Essa taxa não se baseia muito na realidade”. Em 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos começou uma investigação criminal. Graças a vazamentos, agora sabemos da troca de e-mails entre banqueiros, falando alegremente sobre a sub-notificação das taxas, e encorajando o processo. Por que não? Eles estavam ganhando muito dinheiro.

Em meio a tudo isso, o Independent publicou uma matéria de duas páginas sobre os paraísos fiscais, e a soma incrível de dinheiro que vai para esses lugares, proveniente dos países do Sul global. Provavemente, o dinheiro retirado seria mais que suficiente para financiar as transformações econômicas e redistribuições de renda necessárias nestas nações. Ao contrário das manipulações da taxa Libor, os paraísos fiscais são legais.

Então, onde está o escândalo? As duas práticas – sub-notificação da taxa Libor e transferência de dinheiro para os paraísos fiscais – são absolutamente normais, numa economia-mundo capitalista. A finalidade do capitalismo, afinal de contas, é a acumulação de capital. Quanto mais, melhor. Um capitalista que não maximiza os lucros, de uma forma ou de outra, será eliminado do jogo, cedo ou tarde.

O papel dos Estados nunca foi controlar ou limitar essas práticas, mas fazer vistas grossas pelo maior tempo possível. De vez em quando, as práticas – dos capitalistas e dos estados – são momentaneamente expostas. Algumas pessoas são presas, ou forçadas a devolver o lucro ilegal. E os políticos falam em reforma – tentando adotar, com máximo alarde, o nível mais baixo de “reforma” que puderem.

Porém, isso não é um escândalo, porque o que se chama de “escândalo” é, na verdade, o coração do sistema. Algum dia isso irá mudar? Sim, claro. Um dia, o sistema não existirá mais. Claro que isso abre outra questão. O próximo sistema será melhor? É possível, mas não é certo.

Enquanto isso, chamar a manipulação da Libor de escândalo é ocultar que se trata, na verdade, de mais uma forma normal de acumular capital. Em 1992, James Carville, estrategista de campanha de Bill Clinton, que então concorria à presidência dos Estados Unidos, disse algo que ficou famoso: “é a economia, estúpido”. Frente aos chamados escândalos, deveríamos dizer “é o sistema, estúpido”.

Immanuel Wallerestein é um sociólogo norte-americano, mais conhecido pela sua contribuição fundadora para a teoria do sistema-mundo. Seus comentários bimensais sobre questões globais são distribuídos pela Agence Global para publicações como Le Monde diplomatique e The Nation. No Brasil, seus artigos são publicados na revista Fórum e na revista virtual Outras Palavras.Tradução: Daniela Frabasile
Publicado originalmente em Outras Palavras.net
Nossa fonte: Correio do Brasil

Mercosul: Integração e desenvolvimento


A entrada para o Mercosul tornou-se estratégica para a Venzuela. A possibilidade que agora se abre é a de transcender a integração comercial, passando a uma nova fase: a integração produtiva. Os governos brasileiro e venezuelano, especialmente por meio da missão do IPEA em Caracas, vêm promovendo iniciativas de fortalecimento e complementação industrial em diversas áreas, sobretudo na fronteira e na Faixa Petrolífera do Orinoco.

Luciano Wexell Severo (*) e Paulo Vitor Sanches Lira (**)

Em geral, as opiniões da chamada grande mídia contra a entrada da Venezuela no Mercosul tem como base argumentos que não se sustentam quando postos à prova. Muitos “analistas” optam por desenvolver interpretações da situação política, social ou econômica do país vizinho baseados em relatórios de instituições pouco confiáveis ou até mesmo em ONGs sediadas nos países centrais. Entendemos que o caso merece análises muito mais sérias e abrangentes.

A economia da Venezuela tem o petróleo como motor desde 1930, fato que acarretou problemas à industrialização, conforme identificado por Celso Furtado em estudo para a CEPAL, nos anos 1950. Não houve, desde então, um esforço profícuo para a diversificação industrial, apesar do entendimento de que se deveria “semear o petróleo”. Até os anos 2000, os benefícios da renda petroleira não foram utilizados para promover o desenvolvimento econômico ou o fortalecimento da estrutura produtiva nacional.

A chegada do governo Chávez representou a intenção de efetuar essas mudanças, através do planejamento e da maior intervenção estatal na PDVSA. De 1999 a 2001, apesar da manutenção de políticas de corte ortodoxo, foram dados passos importantes, como a aprovação, em referendo, da nova Constituição. A seguir, a postura governamental foi fortemente contestada por uma parcela da sociedade venezuelana, historicamente beneficiada pela situação anterior. A crise política e a instabilidade institucional dos anos 2002 e 2003 derrubaram o PIB em cerca de 10%.

A despeito destes entraves, o governo continuou com elevado percentual de apoio. O crescimento econômico dos anos seguintes, respaldado pela alta do petróleo, atesta os esforços de mudança. De 2004 a 2008, a economia venezuelana cresceu cerca de 8% ao ano, excetuando-se 2009 e 2010 pelo efeito da crise internacional. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a distribuição de renda (coeficiente Gini) melhoraram substancialmente. Este último alcançou 0,39 em 2010 contra 0,5 dos anos 1990. Desde 2005, o país é considerado pela UNESCO como território livre de analfabetismo.

Apesar dos avanços na área social, a Venezuela ainda apresenta complexas limitações na estrutura produtiva. Neste ponto, a entrada para o Mercosul tornou-se estratégica. A possibilidade que agora se abre é a de transcender a integração comercial, pautada pelo mercado, passando a uma nova fase: a integração produtiva. Os governos brasileiro e venezuelano, especialmente por meio da missão do IPEA em Caracas, já vêm promovendo iniciativas de fortalecimento e complementação industrial em diversas áreas, sobretudo na fronteira e na Faixa Petrolífera do Orinoco. A entrada no bloco potencializará essas iniciativas.

Finalmente, vale apontar que as transformações da última década não são resultado de um caminho natural das economias em busca do desenvolvimento. Pelo contrário, são frutos da ação consciente e da mudança de mentalidade de parte da América do Sul. Devemos intensificar esse movimento de distanciamento do desfiladeiro liberal e assumir as rédeas de nosso caminho ao desenvolvimento.

(*) Professor visitante da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e Doutorando do Programa de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
(**) Mestrando do Programa de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

E se o golpe de 2005 tivesse dado certo?

Emir Sader

Um historiador inglês (Neill Ferguson, História virtual) se dedicou a pensar vias alternativas daquelas que triunfaram efetivamente na história realmente existente, como exercícios de pensamento sobre o que teria sido se não fosse. Por exemplo: e se a Alemanha de Hitler tivesse triunfado na Segunda Guerra? E se a URSS não tivesse desaparecido? E outras circunstâncias como essas.

No Brasil podemos pensar o que teria acontecido se várias tentativas de golpe militar – antes e depois da de 1964 – tivessem triunfado, o que teria acontecido com o Brasil. Um bom exercício também para entender o presente, quando as mesmas forças que protagonizaram essas tentativas no passado – as fracassadas e a vencedora de 1964 – se excitam de novo e, como toda força decadente, tratam de dar aos estertores da sua última tentativa, uma dimensão épica, que somente uma classe que não pode olhar para sua vergonhosa historia golpista, pode fazer. Juizes, jornalistas, políticos derrotados, usam os superlativos que suas pobres formas de expressão permitem, para falar “do julgamento do século”, do “maior caso de...”.

Pudessem assumir a história do Brasil como ela realmente ocorreu e ocorre, se dariam conta que o maior julgamento da nossa história teria sido o da ditadura militar – aventura da qual essas mesmas forças participaram ativamente -, que destruiu a democracia no país, violou todos os direitos humanos, em todos os planos – políticos, jurídicos, sociais, culturais, econômicos -, abriu as portas para o assalto do Estado e do pais às grandes corporações nacionais e internacionais, impôs a ditadura também no plano da liberdade de expressão, prendeu, torturou, assassinou, fez desaparecer, alguns dos melhores brasileiros.

Em suma, passar a limpo essa página odiosa da nossa história – que tem as impressões digitais dos mesmos órgãos de comunicação que lideraram a ofensiva golpista de 2005 – teria sido o maior julgamento da nossa história, onde seriam réus eles mesmos, junto à alta oficialidade das FFAA, grande parte dos empresários nacionais e internacionais, entre outros.

Podemos, por exemplo, especular o que teria sido o país se tivesse triunfado o golpe contra Getúlio, em 1954. Era um movimento similar ao que triunfou uma década depois, com origem na Doutrina de Segurança Nacional, típica ideologia da guerra fria. Na Argentina, por exemplo, a queda de Peron, um ano depois do suicídio do Getúlio, introduziu o tipo de militar “gorila” (a expressão nasceu na Argentina, com o golpe de 1955), que se generalizaria a partir do golpe brasileiro.

Na Argentina, com a proscrição do peronismo, Arturo Frondizi conseguiu se eleger presidente, mas nem ele, nem os presidentes ou ditadores que o sucederam – houve novo golpe em 1966, que também fracassou, como o de 1955 - conseguiram estabilizar-se, frente à oposiçao do peronismo, principalmente do seu ramo sindical, que tornou impossível a vida a todos os governos, até o retorno de Peron, em 1973.

No Brasil, um objetivo central do golpismo era evitar a continuidade do getulismo, expressada no JK, mas também no Jango. A famosa frase – suprassumo do golpismo – de Carlos Lacerda, de que “Juscelino não deveria ser candidato; se fosse, não deveria ganhar; se ganhasse, não deveria tomar posse; se tomasse posse, não deveria poder governar”, espelhava aquele objetivo.

Se Getulio nao tivesse apelado para o gesto radical do suicídio, para brecar a ofensiva golpista, o movimento de 1964 teria surgido uma década antes. Ao invés das eleições relativamente democrática de 1955, teríamos tido uma ditadura militar mais ou menos similar à de 1964. As consequências teriam sido ainda mais catastróficas, porque o sacrifício do Getúlio conquistou dez anos, que o movimento popular aproveitou para se fortalecer amplamente. Nessa década avançou não apenas a industrialização, mas também o movimento sindical e outros movimentos populares, assim como a consciência social na massa da população. Uma ditadura – ou algum regime duro, mesmo se recoberto de formas institucionais, mas que impedisse a continuidade do regime getulista – teria atuado sobre um movimento popular com muito menor capacidade de organização e de consciência social.

Na Argentina os militares tiveram que, em prazos mais ou menos curtos, convocar novas eleições, o fizeram depois de prescrever o peronismo, a grande força politica e ideológica, do campo popular argentino. No Brasil, teriam feito algo similar, castrando a democracia brasileira da vitalidade que os movimentos populares possuíam e imprimiam ao país.

De qualquer forma, grande parte dos retrocessos que a ditadura
impôs ao Brasil, teriam sido antecipados por um movimento de direita que tivesse se apropriado do Estado brasileiro em 1964. Nossa história seria ainda pior do que ela foi, a partir do golpe triunfante de 1964.

Outras tentativas golpistas existiram durante o governo do Juscelino, pelo menos duas de caráter militar – por membros da Aeronáutica -, de menor monta, mas as articulações golpistas nunca deixaram de existir, de tal maneira que os antecedentes do golpe de 1964 vem da fundação da Escola Superior de Guerra, por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, vindos da guerra na Itália, sob influência e patrocínio diretos dos EUA, que desembocou finalmente no golpe vitorioso de 1964, que não por acaso teve nesses dois militares seus protagonistas fundamentais.

E se nos perguntarmos o que teria sido do Brasil se o movimento de um golpe branco contra o Lula – que poderia ter sido um impeachment ou uma derrota eleitoral em 2006 – tivesse triunfado?

Se nos recordamos que o candidato da direita era o neoliberal acabado que é Alckmin, podemos imaginar os descalabros a que teria sido submetido o país. (O que torna ainda mais absurda a posição da ultra esquerda, que se absteve ou pregou o voto nulo diante da alternativa Lula ou Alckmin.) Só para recordar uma circunstância concreta, quando Calderon triunfou no México, de forma evidentemente fraudulenta, nas eleições presidenciais de julho de 2006, Alckimin saudou-a como o caminho que o Brasil deveria seguir. (Ver artigo aqui na Carta Maior, comentando essa similitude assumida por Alckmin.)

Significaria, antes de tudo, a retomada de um Tratado de Livre Comércio com os EUA, ja que a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) tinha sido substituída por tratados bilaterais com países do continente, como o Chile, entre outros, pelos EUA, depois que o Brasil contribuiu decisivamente para enterrar a ideia de uma America Latina totalmente aderida ao livre comercio, subordinada completamente aos EUA.

Os processos de privatização que FHC não tinha conseguido completar, pela resistência do movimento popular brasileiro, seriam retomados, atingindo a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Economica, a Eletrobras, entre outras empresas sobreviventes do vendaval privatizando do governo dos tucanos.

Mas sem ir mais longe, bastaria imaginar o que teria sido o Brasil – e também a América Latina – se a crise internacional do capitalismo, iniciada em 2007 e ainda vigente, tivesse encontrado o Brasil tendo ao neoliberal duro e puro do Alckmin como presidente. Estaríamos ainda pior do que um país como a Espanha ou a Grécia ou Portugal. Estaríamos devastados pela recessão, pelo desemprego, pelos compromissos escorchantes do FMI.

Basta esse quadro realista do que estaríamos vivendo se o golpe de 2005 tivesse dado certo. O seu objetivo inicial era tentar impor uma derrota de longo prazo à esquerda, que teria fracassado, com Lula, seu principal dirigente, por um prazo longo, permitindo que as forças tradicionais da direita retomassem o controle do Estado brasileiro.

O julgamento que começa esta semana é, sobretudo, o julgamento de uma tentativa frustrada de golpe branco contra um governo popular e democrático, eleito pelo voto popular e legitimado pela reeleição do Lula e pela eleição da Dilma. O povo já disse sua palavra. 
Nossa fonte: Carta Maior (Blog do Emir)