Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

O dia da Pátria Amada

Hoje é dia da Pátria Amada. “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas”...  O hino que comemora a independência do nosso Brasil é um dos mais bonitos do mundo. Foi composto com inspiração privilegiada e segue inspirando poetas e o povo brasileiro
Dona Pandá disse não saber se a Pátria Amada merece os parabéns!  Passados alguns segundos de sua interrogação, corrigiu-se dizendo que a Pátria Amada merece tudo, seus filhos – aqueles que fogem à luta – é que a estão machucando. Querem entregá-la, tirar sua altivez e soberania.

- Veja só, menina. Uma grande construtora está para ser vendida aos chineses. A tal Lava Jato, que deveria dar um basta à corrupção, foi parar na mão do moço de Curitiba e cada vez mais coloca em prática o que aprendeu nos “esteites’, cujo interesse continua sendo dominar o mundo. No caso do Brasil, o pré- sal é o maior alvo.

As construtoras nacionais são grandes empresas com tecnologia e capacidade para atuação em vários países, trazendo divisas e empregos para cá. Estão sendo destruídas. Também elas não são as vilãs. As empresas são dirigidas por homens, alguns honestos e outros corruptos.  Elas são detentoras do know how  que foi construído ao longo de sua vida. A Petrobras desenvolveu, com altíssimos investimentos humanos e técnicos tecnologia única. Ao invés de punir os homens corruptos, a Lava Jato auxiliada pela grande mídia, tem agido como se a empresa toda estivesse corrompendo o mundo. As consequências  para nossa economia são as mais desastrosas.

- Dona Pandá, a senhora não pode mudar de assunto?  - Quando percebi o que eu havia falado, já Inês estava mortinha. - Acho que o sino do portão tocou. Vou ver quem é.

- Vai nada. Você se esqueceu de que depois que pus o aparelho auditivo escuto tudo e o sino não tocou porque não ouvi. Não precisa ficar com medo de eu me zangar. Afinal, dou meu braço a torcer.  Está muito difícil aceitar o que estamos vivendo. A BBC Brasil publicou uma espécie de retrato do Senado. Deixa claro que se não houver eleições já para renovar aquilo lá, vamos para a cucuia.  Do que você está rindo, menina?

- A senhora não percebeu que continuou falando sem mudar de assunto!

Dona Pandá se levantou e fez um gesto com a mão que traduzi como deixa pra. Deixei. Ela foi andar no pomar e voltou com as mãos em concha cheias de tamarindos. O humor mudado.

- Venha comer uns tamarindos e vou lhe contar algo para você rir mais um pouco de mim. Ah! Para com isto. Você ri muito de mim, mas não faz mal. Eu também, às vezes, acho que sou inspiradora de risos. Veja só o que me aconteceu. Estava andando por aí, pensando que você tem razão, ando muito chata.

- Não falei isto, mas a senhora não está sentido um cheiro esquisito?!

- Ah! Como eu estava tentando falar e a maritaca me interrompeu! Você está rindo antes da piada.  Andava olhando as árvores para ver se havia alguma erva de passarinho não detectada, uma raiz que, ontem, lá não estava  surgiu na frente de meus pobres pés. Estes coitados, sem a proteção dos olhos, fizeram uma acrobacia não ensaiada. O esquerdo chutou o grande obstáculo, contando que seu aliado, o direito, daria conta deste corpinho que afinal não é lá tão pesado. Isto não aconteceu e o desequilíbrio me mandou para cima da moita da babosa. Olhei bem – nesta hora já os olhos perceberam seu desvio e correram a procura de uma muleta - lá estava ela, uma pilha de sacos cheios da comida preferida das minhocas,  onde cai sentadinha. Pronto pode rir. Vou tomar banho para tirar o cheiro de esterco.


‘Aquarius’ está muito além de seu peso político.

Nathali Macedo

Eis uma coincidência providencial: o aclamado ‘Aquarius’ estreou no Brasil justamente nesta incendiária semana em que o golpe se concretiza.
Embora seja louvável que tenhamos no Brasil uma equipe que vê na resistência criativa uma boa alterntiva diante do golpe corajosamente denunciado em Cannes, reconhecer o longa apenas pelas polêmicas que passaram a permeá-lo e pelo seu peso político seria injusto e desonesto: Aquarius vai muito além disso.
A história da escritora Clara, que resiste em desocupar o edifício em que mora, em Boa Viagem (Recife), mesmo diante de todas as investidas de uma grande construtora representada por Diego (Humberto Carrão), que pretende substituí-lo por um luxuoso empreendimento, nos conduz a um inevitável e necessário choque geracional entre a preservação da memória e a promessa de modernização e higienização que transforma as cidades – e as pessoas – em fantasmas frios e sem vida.
Essa dualidade – em torno da qual se alicerça toda a história – é expressa da maneira mais tocante e sensível possível, com uma força que se mostra justamente na beleza das sutilezas.
A sutileza pungente é, aliás, o que mais claramente caracteriza Aquarius, que toca com naturalidade em pontos no mínimo delicados para a sociedade brasileira ainda tão conservadora: Revolução sexual feminina, câncer de mama, questões raciais e de gênero, a arrogância da jovem burguesia brasileira, a tendência moderna a esvaziar de sentido e de memórias todos os espaços… Está tudo posto, com uma sutileza grandiosa que contrasta com os ânimos tão exaltados de uma atmosfera política adstringente.
O humor também sutil contido no longa faz jus a um parágrafo inteiro: A comicidade comedida ora suaviza, ora amplifica as tensões naturais de uma história tão densa. O humor pontual – que, de tão sutil, pode, mas não deve passar despercebido – está carregado de significado, exatamente como pede esta geração.
A atuação plena de Sônia Braga, por outro lado, dispensa comentários. Não é injusto dizer que ninguém jamais incorporou com tanta maestria a beleza da maturidade.
Clara é uma representação justa e honesta da mulher dos novos tempos: lúcida, autêntica e bem-resolvida, uma personagem que sai do lugar comum, que saúda a beleza das memórias e as marcas do tempo e personifica a resistência que estes tempos sombrios nos têm exigido.
Não por acaso, o diretor Kleber Mendonça Filho jamais concebeu um protagonista homem para o longa. “Aquarius não seria tão forte se não fosse uma personagem mulher.”
A sensualidade presente na personagem não remonta, sequer minimamente, a sexualização fetichista que o cinema comumente atribui à mulher. É, antes disto, a inevitável sensualidade da própria Sônia, incorporada com naturalidade a uma personagem completa.
Talvez seja esta a grande questão – fico tentada a pensar – em torno do boicote do Ministério da Justiça ao estabelecer uma classificação indicativa de 18 anos para o filme, justificada em uma “situação sexual complexa”: a sexualidade feminina não é fetiche. Trata-se, antes disso, de uma libertadora e sutil constatação, apenas posta diante de nossos olhos, sem nenhum pretensiosismo, para que lembremos que mulheres não estão adstritas à sexualidade, tampouco dela estão isentas, o que certamente incomoda aos setores conservadores para os quais a sexualidade feminina não pode ser expressa se não estiver a serviço do deleite masculino.
A classificação foi, inclusive, reduzida para 16 anos, e não poderia ser diferente. O que pode ser lido em Aquarius como sexo explícito é, sob um olhar mais atento, um simbolismo – que obedece a medida do necessário – acerca da revolução sexual feminina.
Se os personagens são um presente e a história simplesmente nos desnuda enquanto povo brasileiro, a trilha sonora é um espetáculo à parte. Nenhum filme jamais honrou tanto a música brasileira: Gil, Bethânia, Taiguara e Ave Sangria simplesmente conversam com a história.
Talvez o peso político de Aquarius tenha uma explicação simples, embora jamais reducionista: falar de política significa falar de nós mesmos. E não há melhor maneira de fazê-lo – neste momento em que uma mulher é injustamente destituída da presidência – do que através de uma personagem como Clara: uma mulher de 65 anos disposta a lutar pela preservação de seu direito de ser quem é, de permanecer onde sempre esteve, de preservar o que lhe é importante, de resistir a uma cruel e higienizadora verticalização.
O Brasil ganha de presente um filme capaz de dissecá-lo e traduzi-lo com toda a elegância de uma protagonista que contempla irretocavelmente o sentimento de uma geração que, a duras penas, se redescobre.
Fonte: DCM (Diário do Centro do Mundo)
Nathali Macedo
Sobre o Autor
Colunista, autora do livro "As Mulheres que Possuo", feminista, poetisa, aspirante a advogada e editora do portal Ingênua. Canta blues nas horas vagas.