Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

E os preços dos alimentos?

As 10 transnacionais "gigantes e secretas" que controlam as matérias primas

O mundo anglo-saxão cacareja vaziamente sobre a transparência e a prestação de contas, enquanto oculta simultaneamente as suas " transnacionais secretas" que "controlam a comercialização dos hidrocarbonetos e das matérias primas"
 Alfredo Jalife-Rahme

    Antecedentes: Zheng Fengtian, professor da Escola de Economia Agrária da Universidade Renmin, na China (Global Times, 13/4/11), fustiga "o monopólio dos cereais que o Ocidente exerce" e a "manipulação deliberada dos preços pelos especuladores internacionais" graças à desregulação de que gozam em Wall Street e na City, assim como nos paraísos fiscais (nomeadamente a Suíça): "não podemos depender apenas dos Estados Unidos (EUA) para resolver a crise alimentar global" nem das "quatro (sic) gigantes (sic) transnacionais".
   Não especifica quais, mas os leitores podem consultar os meus artigos sobre o "cartel anglo-saxão da guerra alimentar" (ver Bajo a Lupa; 4, 16, 23 e 27/4/08; 4/4/10, 4/8/10, 8/10/10; 16 e 19/1/11) e o seu "meganegócio" (Radar Geopolítico; Contralínea, 30/1/11). Fengtian adota a velha tese de Bajo a Lupa sobre a "guerra alimentar" que trava Washington para submeter o mundo: "no passado (sic), os EUA aproveitaram as vantagens do seu papel dominante no mercado global de alimentos para adotá-los como arma (¡supersic!) política".
    Atos: O mundo anglo-saxão cacareja vaziamente sobre a transparência e a prestação de contas, enquanto oculta simultaneamente as suas "10 gigantes (sic) transnacionais secretas (¡supersic!)" que "controlam a comercialização dos hidrocarbonetos e das matérias primas", segundo The Daily Telegraph (15/4/11). Como se não nos bastassem as depredadoras transnacionais (BP, Tepco, Schlumberger/Transocean, etc.) que se cotam desapiedadamente na bolsa!
    Para além dos tenebrosos grupos da plutocracia (private equity) ? como o grupo texano Carlyle (ligado ao nepotismo dos Bush) e o inimputável Blackstone Group (controlado por Peter G. Petersen e Stephen A. Schwarzman, cujas façanhas remontam ao macabro recebimento dos seguros das Torres Gêmeas do 11/9; ver Bajo a Lupa, 26/9/04 e 3/10/04) ? The Daily Telegraph revela a identidade oculta das "principais 10 transacionadoras globais de petróleo e matérias primas":
1. Vitol Group: sede em Genebra e Roterdã, com resultados de 195 bilhões de dólares na comercialização de hidrocarbonetos; a primeira petrolífera a exportar com pontualidade da região controlada pelos rebeldes na Líbia.
2. Glencore Intl.: sede em Baar (Suíça), com resultados por 145 bilhões de dólares em metais, minerais, produtos agrícolas e de energia; fundada pelo israelo-belga-espanhol Marc Rich; acusada pela CIA (¡supersic!) de subornar governantes; controla 34% da mineradora global suíço-britânica Xstrata; apostou na subida do trigo durante a seca russa (The Financial Times, 24/4/11); o banqueiro Nat Rothschild "recomendou" o seu polêmico novo diretor Simon Murray (The Daily Telegraph, 23/4/11); destaca a circularidade financeira do binómio Rotshchild-Rich.
3. Cargill: sede em Minneapolis, Minnesota, com resultados de 108 bilhões de dólares em agronegócios, carnes, biocombustíveis, aço e sal; severamente criticada pela desflorestação, contaminação de todo o gênero (incluindo a alimentar) e abusos contra os direitos humanos.
4. Koch Industries: sede em Wichita, Kansas, com resultados por 100 bilhões de dólares em refino e transporte de petróleo, petroquímicos, papel etc.; empresa familiar (a segunda mais importante nos EUA depois da Cargill) manejada pelos irmãos ultraconservadores David e Charles Koch, que financiam o Tea Party.
5. Trafigura: sede em Genebra, com resultados por 79,2 bilhões de dólares em petróleo cru, comercialização de metais; depredadora tóxica na África; provém da separação de várias empresas do israelo-belga-espanhol Marc Rich.
6. Gunvor Intl.: sede em Amesterdã e Genebra, com resultados por 65 bilhões de dólares em petróleo, electricidade e carvão.
7. Archer Daniels Midland Co.: sede em Decatur, Illinois, com resultados por 62 bilhões de dólares em milho, trigo, cacau; listada na Bolsa de Nova Iorque; atuação escandalosa e processada por contaminação reiterada; beneficiou com os subsídios agrícolas do governo dos EUA.
8. Noble Group: sede em Hong Kong, com resultados por 56,7 bilhões de dólares em açúcar brasileiro e carvão australiano; sólidos laços com a HSBC e a polêmica empresa contabilística Pricewaterhouse Coopers; cotada no Índice Strait Times (Singapura).
9. Mercuria Energy Group: sede em Genebra, com resultados de 46 bilhões de dólares em petróleo e gás.
10. Bunge: sede em White Plains, Nova Iorque, com resultados de 45,7 bilhões de dólares em cereais, soja, açúcar, etanol e fertilizantes; multada nos EUA por emissões contaminantes.
    The Daily Telegraph adiciona surpreendentemente como "menção especial" a Phibro, hoje subsidiária da Occidental Petroleum Corporation (Oxy): sede em Westport (Connecticut), com 10% dos resultados do banco Citigroup em 2007 em petróleo, gás, metais e cereais, onde iniciou a sua "aprendizagem" o israelo-belga-espanhol Marc Rich.
    Das 11 transnacionais piratas, cinco pertencem aos EUA, três à Suíça (notável paraíso fiscal bancário), duas são suíço-holandesas e uma é de Hong Kong (ligada à Grã-Bretanha). Se as 11 se cotassem na bolsa colocar-se-iam da posição sete até a 156 na classificação da Fortune Global 500. Sem penetrar na genealogia dos seus testa-de-ferro e verdadeiros donos, destaca-se a nefasta sombra do israelo-belga-espanhol Marc Rich em três empresas piratas: Glencore Intl., Trafigura e Phibro.
    O israelo-belga-espanhol Marc Rich merece uma menção honorífica e com uma biografia mafiosa revela quiçá uma das razões do hermetismo das "gigantes" transnacionais que não estão cotadas nas bolsas e que movimentam nocivamente verdadeiras fortunas sem o menor escrutínio governamental ou cidadão. Será mera causalidade que Rich apareça em três das "secretas" 11 empresas "gigantes" que especulam na penumbra com os preços dos alimentos, hidrocarbonetos e metais?
    Marc Rich, perseguido por evasão fiscal nos EUA (logo perdoado controversamente por Clinton), foi denunciado como "espião da Mossad israelita" (Niles Latham, New York Post, 5/2/01) e "lavador de dinheiro" das máfias (The Washington Times, 21/6/02).
   O investigador William Engdahl expôs há 15 anos "a rede financeira secreta (¡supersic!)" por trás dos banqueiros escravagistas Rothschild, o megaespeculador "filantropo" George Soros e o mafioso Marc Rich. Cada vez se afirma mais o papel determinante de Israel na lavagem de dinheiro global (ver Bajo a Lupa, 20/4/11).
    Conclusão: Como pode uma transnacional "gigante" passar sem ser detectada na época da antiterrorista "segurança interna"? Será possível que no século 21 ainda existam empresas "secretas" e/ou piratas, o que entendemos significar que se dão ao luxo de não se cotar nas bolsas, mas que gozam de todas as benesses do "livre mercado" desde a comercialização, passando pela titularização até ao branqueamento criminal?
    São "gigantes secretos" e/ou "clandestinos" tolerados pelo sistema anglo-saxão e seus mafiosos paraísos fiscais? Pode manter-se "secreta" aatividade pirata e criminalmente branqueadora das clandestinas transnacionais "gigantes" que controlam os alimentos e a energia, usados como "armas de destruição maciça" contra a maioria do gênero humano?

Publicado no La Jornada. Tradução de Paula Sequeiros para o Esquerda.net.
www.flickr.com/photos/eaghra/.
http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9277

A bastilha da exclusão

José Graziano da Silva
Nos anos 90, a cada dez brasileiros, quatro eram miseráveis. Hoje a proporção é de um para dez. O ganho é indiscutível. Mas o desafio ficou maior: erradicar a miséria pressupõe atingir a bastilha da exclusão que no caso do Brasil tem uma intensidade rural (25,5%) cinco vezes superior à urbana (5,4%).
(*) Artigo publicado originalmente no jornal Valor (Nossa fonte: Carta Maior)

     Crises funcionam como uma espécie de tomografia na vida dos povos e das nações. Nos anos 80, por exemplo, o fim do ciclo de alta liquidez escancarou a fragilidade de um modelo de crescimento adotado por inúmeros países da América Latina e Caribe ancorado em endividamento externo. Nos anos 90, a adesão ao cânone dos mercados auto-reguláveis expôs a economia a sucessivos episódios de volatilidade financeira que desmentiram a existência de contrapesos intrínsecos ao vale tudo do laissez-faire. O custo social foi avassalador.
     A crise mundial de 2007-2008, por sua vez, evidenciou a eficácia de uma ferramenta rebaixada nos anos 90: as políticas de combate à fome e à pobreza, que se revelaram um importante amortecedor regional para os solavancos dos mercados globalizados.
     O PIB regional per capita recuou 3% em média em 2009 e o contingente de pobres e miseráveis cresceu em cerca de nove milhões de pessoas. No entanto, ao contrário do que ocorreu na década de 90, quando 31 milhões ingressaram na miséria, desta vez o patrimônio regional de avanços acumulados desde 2002 não se destroçou.
     Abriu-se assim um espaço de legitimidade para a discussão de novas famílias de políticas sociais, desta vez voltadas à erradicação da pobreza extrema.
     No Brasil, a intenção é aprimorar o foco das ações de transferência de renda, associadas a universalização de serviços essenciais e incentivos à emancipação produtiva. Espera-se assim alçar da exclusão 16,2 milhões de brasileiros (8,5% da população) que vivem com menos de R$ 70,00 por mês.
     A morfologia da exclusão nos últimos anos indica que o êxito da empreitada brasileira- ou regional - pressupõe, entre outros requisitos, uma extrema habilidade para associar o combate à miséria ao aperfeiçoamento de políticas voltadas para o desenvolvimento da pequena produção agrícola. Vejamos.
     A emancipação produtiva de parte dessa população requer habilidosa sofisticação das políticas públicas.
     Apenas 15,6% da população brasileira vive no campo. É aí, em contrapartida, que se concentram 46% dos homens e mulheres enredados na pobreza extrema - 7,5 milhões de pessoas, ou 25,5% do universo rural. As cidades que abrigam 84,4% dos brasileiros reúnem 53,3% dos miseráveis - 8,6 milhões de pessoas, ou 5,4% do mundo urbano.
     Portanto, de cada quatro moradores do campo um vive em condições de pobreza extrema e esse dado ainda envolve certa subestimação. As pequenas cidades que hoje abrigam algo como 11% da população brasileira constituem na verdade uma extensão inseparável do campo em torno do qual gravitam. Um exemplo dessa aderência são os 1.113 municípios do semi-árido nordestino, listados como alvo prioritário da erradicação da miséria brasileira até 2014.
     Nos anos 90, a cada dez brasileiros, quatro eram miseráveis. Hoje a proporção é de um para dez. O ganho é indiscutível. Mas o desafio ficou maior: erradicar a miséria pressupõe atingir a bastilha da exclusão que no caso do Brasil tem uma intensidade rural (25,5%) cinco vezes superior à urbana (5,4%).
     O cenário da América Latina e Caribe inclui relevo semelhante com escarpas mais íngremes. Cerca de 71 milhões de latinoamericanos e caribenhos são miseráveis que representam 12,9% da população regional, distribuídos de forma igual entre o urbano e o rural: cerca de 35 milhões em cada setor. A exemplo do que ocorre no Brasil, porém, a indigência relativa na área rural, de 29,5%, é mais que três vezes superior a sua intensidade urbana (8,3%), conforme os dados da Cepal de 2008.
     Estamos falando, portanto, de um núcleo duro que resistiu à ofensiva das políticas públicas acionada na última década. Desde 2002, 41 milhões de pessoas deixaram a pobreza e 26 milhões escaparam do torniquete da miséria na América Latina e Caribe. Essa conquista percorreu trajetórias desiguais: declínios maiores de pobreza e miséria correram na área urbana (menos 28% e menos 39%, respectivamente) em contraposição aos do campo (menos 16% e menos 22%).
     Uma visão de grossas pinceladas poderia enxergar nesse movimento uma travessia da exclusão regional em que a pobreza instaura seu predomínio na margem urbana, enquanto a maior incidência da miséria se consolida no estuário rural e na órbita dos pequenos municípios ao seu redor.
     A superação da miséria absoluta é possível com a extensão dos programas de transferência de renda aos contingentes mais vulneráveis. Mas a emancipação produtiva de parte desses protagonistas requer habilidosa sofisticação das políticas públicas. A boa notícia é que o núcleo duro rural inclui características encorajadoras: os excluídos tem um perfil produtivo, um ponto de partida a ser ativado. Os governos, por sua vez, tem experiências bem sucedidas a seguir. Entre elas, a brasileira, a exemplo do crédito do Pronaf, e das demandas cativas que incluem o suprimento de 30% da merenda escolar e as Compras de Alimentos da Agricultura Familiar, implantadas nos últimos anos. Não por acaso, a pobreza extrema no campo brasileiro caiu de 25% para 14% entre 2002 e 2010 e a renda do agricultor familiar cresceu 33%, três vezes mais que a média urbana nesse mesmo período.

José Graziano da Silva está licenciado do cargo de Representante Regional da FAO para a América Latina e Caribe.