Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Redução da Pobreza e Segurança Alimentar: as verdadeiras lições do Brasil


Reetika Khera*
Recentemente passei uma semana no Brasil estudando seu reconhecido programa de transferência de renda – Bolsa Família. O Bolsa Família é visto como um programa bem-sucedido de combate à pobreza e também como um programa de segurança alimentar. Meu interesse no tema deriva de impulso recente, a propósito de um programa semelhante na Índia que substituiu o PDS (“Sistema de Distribuição Pública” local). A 4ª Conferência Nacional do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) foi uma ótima oportunidade para conhecer alguns dos envolvidos na formulação de políticas públicas e me informar sobre sua implementação. Além disso, visitei dois municípios para conversar com as administrações locais e também com alguns beneficiários dos programas de governo. Neste breve artigo, relato o que vi e o que se pode aprender com o Brasil.
Brasil e Índia são muito diferentes
Durante minha breve visita fiquei mais impressionado com o quão diferentes são o Brasil e a Índia. Sendo eu proveniente da Índia, tive dificuldade em acreditar que o Brasil ainda consta como um país em desenvolvimento. Isso me levou a comparar os dados dos dois países. Em 1990, o PIB per capita anual brasileiro foi cinco vezes maior do que o da Índia – e é agora cerca de três vezes maior. A Tabela 1mostra que, mesmo há 20 anos, o Brasil estava à frente da Índia em vários indicadores de desenvolvimento, posição que se consolidou ao longo das últimas duas décadas.
Pobreza no Brasil tem sido o problema de uma pequena minoria da população. Em um artigo que compara Brasil, China e Índia, Martin Ravallion calcula que em 1981 menos de um quinto (17,6%) da população estava em "extrema pobreza" (ou seja, viviam com menos de US$ 1,25 por dia). Essa proporção caiu para menos de 10% até 2005. Na Índia, por outro lado, até 42% viviam em extrema pobreza – ou seja: em 2005, o nível de extrema pobreza na Índia era maior do que os dados brasileiros de 25 anos atrás.
Indo além da renda e da pobreza, o Brasil tem uma infraestrutura de serviços públicos muito bem desenvolvida. Uma proporção muito pequena (menos de 15%) da população do Brasil está nas áreas rurais. Há de se considerar que a definição de "rural" é diferente nos dois países, sendo improvável estabelecer uma “ponte” que forneça boa comparação – de acordo com o censo de 2011, quase 70% da população da Índia ainda vive em aldeias. A comparação de indicadores de outros dados de infraestruturas é ainda mais reveladora: quase todos os domicílios no Brasil possuem acesso à eletricidade e a saneamento básico (ver Tabela 1). Eu não experimentei quaisquer cortes de energia durante a minha visita.
Além disso, grande parte do Brasil é administrada através de uma rede viva de municípios, que são órgãos funcionais dotados de infraestrutura administrativa adequada, incluindo pessoal, prédios, móveis, computadores, etc. (Além disso, o alcance de instituições bancárias também é altamente desenvolvido no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada pelo IPEA, 60% dos adultos no Brasil possuem conta bancária. Em comparação, apenas 5% das aldeias na Índia possuem uma agência bancária local).
É importante ter em mente essas diferenças básicas entre a Índia e o Brasil quando se pensa em programas de alimentação e de nutrição ou, genericamente, quando se pensa em políticas de combate à pobreza. No Brasil, essas questões ganharam destaque quando Lula chegou ao poder em 2003 – a fome, a pobreza e a desnutrição afligiam menos de um décimo dos brasileiros. Em 2003, o governo Lula enfatizou o fato de que o Brasil era um país com uma desigualdade intolerável. O problema da privação estava concentrado em um segmento tão pequeno da população, que tendia a ser ignorado. Seu governo procurou colocar os holofotes sobre esse segmento com o propósito de eliminar tal privação.
Na Índia, por outro lado, os problemas de pobreza, de falta de saúde, de subnutrição e de analfabetismo permanecem difundidos – e, talvez, por serem tão difundidos, são tolerados por todos.
Previdência Social no Brasil
Apesar de o problema ter uma dimensão diferente, há de se considerar que as conquistas do Brasil nos últimos 10 anos têm sido louváveis. De fato, chegar aos grupos mais carentes tende a ser a parte mais difícil da batalha contra a pobreza e contra a fome. O Brasil pôs em prática uma estratégia bem-sucedida para completar a etapa mais difícil desta viagem. Esta seção descreve alguns aspectos dessa estratégia bem-sucedida do Brasil.
Sempre que eu mencionei o meu interesse no Bolsa Família em minhas discussões, a primeira coisa que as pessoas me disseram foi que Bolsa Família foi apenas uma dentre uma série de intervenções do governo. Como Ísis Ferreira, que trabalha no Ministério do Desenvolvimento Social, disse: "Fome Zero é uma estratégia e Bolsa Família é um programa que está inserido nessa estratégia". Na verdade, saúde, acesso à água e salário mínimo mais elevado são vistos como essenciais para alcançar segurança alimentar e nutricional.
Em geral, o alcance e a qualidade dos serviços básicos são bastante elevados no Brasil. Como a Tabela 1 indica, o Brasil gasta quase 10% do seu PIB em educação e saúde. Gastos públicos da Índia em saúde e despesas com saúde “empalidecem” se comparados, parcamente superando os 5% do PIB. Os níveis mais elevados de despesas médicas são visíveis – em Formosa (GO), visitamos um centro de saúde pública que serve uma população de 4.000 pessoas e possui 13 profissionais de saúde de campo, além de um médico geral, uma enfermeira e um dentista. Da mesma forma, o acesso à escolaridade é impressionante – para uma população total de 100.000 pessoas o distrito tem cerca de 60 escolas do governo.
O Brasil possui uma rede muito extensa de programas de proteção social. Há grande diversidade de programas de governo: um programa de "cesta de alimentos" (fornecimento de alimentos frescos); uma rede de restaurantes populares (que fornecem refeições muito nutritivas a R$ 1,00 por refeição), um programa de "banco de alimentos" (que compra produtos perecíveis de agricultores), um programa para a erradicação do trabalho infantil (não apenas para as crianças trabalhadoras, mas também para as crianças vulneráveis ao trabalho infantil); um programa de habitação popular; abrigos de jovens que tiveram suas casas danificadas e até mesmo um programa de "entretenimento" para idosos. Os municípios também parecem desempenhar um papel na formação de cooperativas e no desenvolvimento de programas de treinamentos e de preparação laboral (como cabeleireiros, manicures etc.) para beneficiários do Bolsa Família.
Além disso, muitos desses programas agora são direitos – há uma lei para o sistema único de saúde (1990), uma lei sobre a assistência social (1993), uma renda básica para garantir direitos de cidadania (2004), e, claro, a lei de segurança alimentar e nutricional (2006), além do programa de merenda escolar, promulgada em 2009.
O que parece ser realmente especial sobre a batalha do Brasil contra a pobreza e a privação é a abordagem e atenção a cada pessoa necessitada sob um "zelo intensivo". Em 2003, o Brasil apresentou o Cadastro Único, um registro que permite que as pessoas avancem etapas e se inscrevam em diversos programas de governo. As pessoas preenchem, em órgãos municipais, um detalhado formulário de 10 páginas que auxilia a administração "diagnosticar" problemas e a fazer uma prescrição personalizada para cada família. Algumas famílias só podem exigir o apoio ao rendimento por meio da Bolsa Família, outras podem precisar de assistência alimentar; crianças de famílias que parecem em uma posição muito vulnerável podem ter seus filhos matriculados para o programa de erradicação do trabalho infantil, por meio do qual o governo não apenas garante que a criança não abandone a escola, mas ainda que essa criança desenvolva competên cias. A abordagem do "zelo intensivo" foi possível por duas razões: 1) é centrada nas camadas mais desfavorecidas da população e 2) o regime de Lula desde 2003, veio com a vontade política necessária para lidar com o problema.
Transferência de renda por meio do Bolsa Família
Nesse contexto mais amplo de intervenções sociais, não era fácil dizer se o programa Bolsa Família foi a intervenção mais importante. Embora certamente possua o maior orçamento (0,5% do PIB em 2006), é amplamente visto como a intervenção de maior sucesso.
A ajuda do Bolsa Família é baseada em renda auto-declarada. O Bolsa Família é supostamente dado a qualquer pessoa cuja renda per capita seja inferior a R$ 140,00 mensais. Sabe-se que as pessoas do setor informal possuem rendimentos variáveis e incertos, de modo que há períodos em que os seus rendimentos excedem a linha de corte do Bolsa Família e há períodos em que a família não ganha nada. O Brasil possui um grande setor formal (aproximadamente 60% da economia) e, quando as pessoas entram em emprego no setor formal, precisam se candidatar por um número de segurança social. O banco de dados do Cadastro Único é periodicamente cruzados com o banco de dados de quem possui emprego formal, de modo que as pessoas não-elegíveis deixam de receber transferências de renda do Bolsa Família.
Bolsa Família é um programa de transferência de renda bem-sucedido, que inclui um componente de transferência incondicional de renda, bem como uma transferência condicional, vinculada ao atendimento e à imunização das crianças. Inicialmente, os benefícios foram fornecidos para até três filhos, este limite já foi relaxado e os benefícios são dados para até cinco crianças. Uma vez que a frequência escolar e a vacinação são quase universais, as condições são facilmente alcançadas na maioria dos casos. Quando não estão, medidas corretivas supostamente são tomadas – a interrupção das transferências é o "último recurso".
A popularidade do programa Bolsa Família ficou clara na minha entrevista com Hilma, uma estudante da 8ª série, atualmente beneficiária do Bolsa Família. Ela vive em Formosa (GO), a 80 quilômetros de Brasília. Seu marido é motorista de caminhão com uma renda incerta. Quando eu lhe perguntei qual era a maior diferença em sua vida como resultado do dinheiro do Bolsa Família, ela respondeu que era a autonomia financeira em relação a seu marido. Antes, quando ela queria comprar coisas para as crianças (ela possui três filhas), precisava "implorar" a ele por dinheiro. Agora, ela está livre dessa dependência do dinheiro do marido. Sua mãe era beneficiária do programa enquanto Hilma estava crescendo, então ela está acostumada a tal assistência. Quando ela começou a receber o dinheiro, gastou tudo em alimentação. Ela ficou com a impressão de que não foram autorizados outros usos. Então ela pediu à prefeitura local e foi informada de que poderia gastar o dinheiro como ela gosta. Ela agora gasta parte da renda para comprar leite e outros alimentos, roupas e material escolar para suas meninas e, o mais importante, ao longo dos anos ela adquiriu um fogão, uma geladeira e um conjunto de sofás.
Tendo emergido de um longo período de ditadura, o Brasil não perdeu tempo ao focar nos mais pobres. Uma forte e abrangente estrutura jurídica, a prioridade política para a questão, os recursos financeiros adequados e a mobilização popular contribuíram para realizações impressionantes do Brasil neste campo nas últimas duas décadas. A promulgação de uma abrangente e eficaz Lei Nacional de Segurança Alimentar será um passo importante para erradicar o flagelo da fome, subnutrição e da pobreza na Índia.
 
 Índia   
Brasil     

1990               2009               1990               2009               
PIB per capita (em dólares)                                                    
1.29023.25015.04010.140
População rural em 2011 (%)1
 69,7 13,1
Domicílios com energia elétrica (%)2
Água potável canalizada2
Saneamento básico2
Sem instalações sanitárias

 
 
18
 

68
42
39
55
 

69

98,9
73
48
11
Taxa de alfabetização (%), idade 15-24
Feminino
Masculino
 
49,3
73,5
 
74
88
 
 
99
97
Média de anos de escolaridade234.43,87,2
Taxa de mortalidade infantil577505018
Proporção de crianças imunizadas (%)
(crianças menores de 3 anos)
 4473 (1996) 
Subnutrição
Abaixo do peso
Atrofia
 
 
46
38
 
6 (1996)
10 (1996)
2
Despesa pública (% do PIB) em
Educação1
Saúde1
 
 
3,1
1,1
 
 
5,1
3,5
 
Fontes:
1 Indicadores do Desenvolvimento Mundial 2009 (online);
2 Relatório de Desenvolvimento Humano 2010;
3 Nações Unidas (2010). Perspectivas da População Mundial: Revisão 2008. Nova Iorque;
4 Relatório de Desenvolvimento Humano 1990
5 Grupo inter-agências para a Estimativa da Mortalidade Infantil
8 Sistema de Informações Estatísticas da OMS
 
* Reetika Khera possui PhD em economia pela Escola de Economia de Delhi (Índia). Ela luta pelos direitos das pessoas pobres nas periferias do país, é associada ao GB Pant Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Allahabad. Ela é professora-visitante do Centro para a Economia do Desenvolvimento, da Escola de Economia de Economia de Delhi. Atualmente, está lecionando no Instituto Indiano de Tecnologia Delhi.

Dom Casmurro de Machado de Assis ganha versão em quadrinhos


      Um dos maiores clássicos escritos por Machado de Assis, que conta com inúmeras traduções em vários idiomas e adaptações no cinema e na TV, ganha agora sua versão em quadrinhos. A Editora Nemo lançaDom Casmurro de Machado de Assis, uma adaptação de Wellington Srbek e José Aguiar.



      Dom Casmurro se destaca por sua engenhosidade na construção de cada elemento da narrativa. Utilizando-se de uma linguagem digressiva, em flashbacks, Machado de Assis criou uma espécie de livro de memórias ficcional, cujo narrador protagonista, Bentinho, tem a intenção de “atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”. E assim convencer o leitor do adultério cometido por sua esposa, Capitu.
      O roteirista Wellington Srbek consegue preservar toda a riqueza do texto machadiano, reunindo os 148 capítulos curtos que integram a obra original em 20 partes, que resgatam tanto o enredo como a riqueza da linguagem culta machadiana, repleta de ironias e metáforas. O realismo que caracteriza a obra é também transposto nos traços dos desenhos em preto e branco de José Aguiar, que trazem dois estilos para diferenciar a narração feita por Casmurro dos fatos que ele narra. A HQ conserva o estilo machadiano, com as ações sendo relatadas conforme surgem na memória e na vontade personagem-narrador.
       Fundador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis demonstra todo seu talento ao centrar a narrativa em elementos psicológicos, revelando o mundo interior de seus personagens, investigando a alma humana, trazendo à tona contradições e problemáticas. Sua versão em quadrinhos logra com sucesso o mesmo intento, proporcionando ainda elementos imagéticos que enriquecem a leitura do texto clássico. 

Sobre o autor
      Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 1839, é considerado o maior dos escritores brasileiros. Um apaixonado pela literatura e observador atento da vida social, suas obras têm o caráter atemporal de verdadeiros retratos da alma humana. Com a força de seu texto irônico e sua narrativa cativante, os clássicos machadianos vencem o tempo, renovando-se a cada leitura.

Sobre o roteirista 
      Wellington Srbek nasceu em Belo Horizonte em 1974, é formado em História, mestre e doutor em Educação pela UFMG. Pesquisador e professor de quadrinhos, recebeu os principais prêmios nacionais como roteirista e editor de HQs. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão o álbum Estórias Gerais e série Solar.

Sobre o desenhista 
      José Aguiar nasceu em Curitiba em 1975, é arte-educador formado pela FAP, roteirista, ilustrador e editor, premiado com o troféu HQ Mix. Entre suas obras destacam-se Folheteen, Vigor Mortis Comics e Quadrinhofilia, além de dois volumes de Ernie Adams e da coletânea Un Jour de Mai, publicados na França.

Nossa fonte: Vermelho
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A esquerda europeia e a crise da dívida