Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A CATADORA DE CASTANHAS


Uma novelinha da vida

Lá vai ela de chapelão para não queimar sua pele branquinha, nos pés um tênis confortável, nas mãos luvas grossas, carregando uma bacia com uma espátula de ferro e uma tesoura de poda.  Chegou em baixo da castanheira, deu dois passos no terreno molhado e pumba...os dois pés resolveram ir juntos para o alto, trocando de lugar com o traseiro bem modelado. A terra úmida amorteceu o tombo e depois do susto – porque foi um baita susto – uma boa gargalhada.


A amiga – agricultora de nascença – passava por perto,  correu para dar apoio, pelo menos o moral, e acabou se solidarizando na risada.
- Bela, você se feriu?
- Só o amor próprio.
- Quer ajuda para se levantar?
- Acho que afinal descobri a melhor posição para abrir essas castanhas, sentada no chão. Já que vim para ele sem querer, é aqui que ficarei.
- Boa sorte.
Ela parecia ter escolhido o lugar para cair, pois a seu redor um monte de castanhas (do tipo que chamamos portuguesa, aquela que vem dentro de uma bola de espinhos e que se come cozida ou assada). Sentada compulsoriamente, com as pernas abertas, a bacia no meio, ia abrindo as castanhas com o auxílio da espátula e da tesoura. Sobre ela, bem em cima nos galhos, os esquilinhos iam jogando as cascas da sua refeição favorita, numa concorrência desleal.

Bela chegou na Chácara de Dona Pandá há dois meses. Socióloga, recém aposentada, aceitou o convite de passar um período sabático no mato. Ela é uma boa urbana que busca  paz  e  um merecido descanso por  um tempo que a hospedeira espera seja longo, mesmo tendo suas dúvidas, pois “esses urbanos não passam sem um jornalzinho, um cineminha, umas comprinhas, um barulhão”.

Nossa socióloga, quando jovem  passou por algumas fábricas, onde deixou sua preciosa  mais valia. Veio de uma família de imigrantes portugueses muito religiosos e severos. Essas duas características, para sorte da jovem, foram quebradas por sua mãe, uma revolucionária do seu tempo, que ousou colocar sua liberdade à fente daqueles valores caducos. Dona Maria, hoje com 86 anos, sem dar muita importância aos cabrestos, pagou preços bem altos, mas exerceu sua liberdade e colocou a filha nesse caminho sem volta. Suas escolhas não a guiaram para caminhos fáceis, e sim para vitórias trabalhosas.

A rotina atual de Bela, entremeada de episódios de suas aventuras serão contadas, aqui, em pequenos capítulos.  Vocês estão convidados a acompanhar a Catadora de Castanhas.

Castanhas para Dona Maria

Pela manhã, logo após sua caminhada, Bela foi para a castanheira, onde encontrou uma família de esquilos a quem ela se dirigiu, quase em prece: - Por favor, esquilinhos, parem de jogar fora as castanhas que ainda estão verdes e deixem um pouco das maduras para nós, aqui, embaixo. –

Os esquilos fizeram ouvido de mouco, um deles – seria a mãe? - subiu até o topo da árvore e se regalava com as castanhas, jogando na cabeça de Bela o ouriço da fruta, enquanto os outros, em pontas de diferentes galhos, copiavam os gestos da primeira. Bela já estava desistindo, pois além de não conseguir pegar as castanhas, ainda estava se dando mal com os espinhos que caiam sobre ela, quando houve um movimento estranho. Os animaizinhos correram todos  para o topo da árvore, onde se encontrava a mãe  e lá permaneceram quietinhos, pareciam apavorados.  Bela percebeu, então, o que ocorrera, o cachorro  Bei, solto do canil, sentiu o cheiro dos esquilos e correu para lá.  Num primeiro momento, Bela até ficou contente com a imobilidade de seus concorrentes. Em seguida, a mãe-esquilo, correndo pelos galhos, estava indo em direção ao chão e, claro, à bocaça do cão.

Bela se apavorou e para piorar a situação os filhos-esquilos  começaram a acompanhar a mãe. O jeito era gritar ou tentar pegar os esquilinhos, mas  percebeu o absurdo, nem conseguiria pegá-los, muito menos segurar  todos fora do alcance de Bei. Lembrando-se dos casos que ouvira sobre as ações dessa fera com gambás, gatos e outros viventes e nenhum teve boa sorte,  abriu a boca no mundo. O resultado foi, de certa forma, positivo, os bichinhos ficaram  mais assustados com seus gritos que com a presença de seus predador e voltaram a subir os galhos.  Com o barulho todo, Dona Pandá chegou correndo  e pôde , então, levar o cachorro para o canil, enquanto os esquilos aproveitavam a brecha e se mandavam. Bela garantiu que não iria mais implicar com seus concorrentes, eles são até uns bichinhos tão bonitinhos.

Bela conseguiu, afinal, catar duas dúzias de belas e brilhantes castanhas para levar para Dona Maria que, como boa portuguesa, aprecia muito essas frutas. Ela está convalescendo de uma cirurgia na casa de seu outro filho, Carlos. Sempre foi Bela quem cuidou de Dona Maria e, agora, sem muito saber passar o bastão, fica toda dividida. Sabe que está sendo muito gratificante para a mãe ser cuidada pelo filho que, por seu lado, quis, enfim, assumir  o papel de cuidador. Entretanto, parece  não se conformar em ficar distante da mãe.

Os esquilos levaram a melhor

No seu retorno da Capital, Bela trouxe alguns livros, programas de peças de teatro curtidas na noite paulistana, notícias de exposições de pinturas e gravuras e algumas peças compradas dos artesãos da Feirinha da Teodoro (http://www.feirinhadateodoro.blogspot.com ),  especialmente uns brincos de alumínio antialérgicos.  Ficamos todos querendo ir ao teatro e os jovens resolveram comprar os brincos pela Internet ( http://www.brincosdealuminio.blogspot.com ). São, de fato, bonitos e originais.
Nossa catadora de castanha teve uma alegria seguida de uma grade revolta. Como na sua ausência ninguém, quero dizer nenhuma pessoa, chegou perto da castanheira, havia uma boa quantidade de castanhas no chão.
Ah!Dona Pandá , que resolveu meter seu bedelho nessa conversa, pede (na realidade, ordena) um parêntese explicativo. Vamos lá.
A castanha portuguesa não permite a colheita no pé. É preciso esperar ela amadurecer e cair. O vento, a chuva forte e os esquilos podem derrubá-las antes da hora, ou seja, quando ainda estão verdes. Estas estão perdidas para o consumo humano porque não abrem e apodrecem. Ao caírem, elas pedem cuidados imediatos, pois se ficam no chão mais tempo, apodrecem. Então devem ser cuidadosamente catadas, retiradas do seu ouriço, limpas e secas (podem ser armazenadas no refrigerador). Devem ser cozidas na panela de pressão ou assadas em forno com temperatura média. Dona Pandá, em sua longínqua juventude, administrou silos de grão. Nada sabendo sobre secagem de castanhas, achou que seria a mesma coisa e para que o processo de secagem fosse mais rápido, , colocou as suas no Sol . Quando foi cozinhá-las, encontrou algo parecido com borracha no lugar das deliciosas frutas.     Voltemos às emoções da catadora.
Sua alegria foi do tamanho dos vários montes de castanhas vistos tão logo chegou a alguns metros da árvore e, colocando sua bacia no chão, luvas nas mãos, começou seu trabalho e... os ouriços estavam, quase todos, vazios... os esquilos levaram a melhor.  Bela resolveu pedir ajuda aos cães  que ficaram rodeando a castanheira, impedindo que os bichinhos chegassem. Ao final do dia, já havia mais castanhas caídas que foram alegremente catadas, cozidas e degustadas com o acompanhamento de um gelado vinho espumante.
Dona Pandá na sua intolerável malícia, quis fazer um brinde, levantou sua taça e disse:
- Aos famintos esquilos que perderam a parada para a arguta Bela.
- Famintos?!  Você acha mesmo que eles estão com fome?
- Se você lhes tirou a oportunidade de comer! Eles ficaram com a opção de ser comida de cachorro ou passarem fome. – Percebendo a troça, Bela retrucou;
- Que maldade você está querendo fazer comigo!  À noite os meus concorrentes têm toda a castanheira para eles já que os cães ficam no espaço perto da casa, separado do pomar pela cerca - .
Dona Pandá lhe ofereceu aquele seu sorriso maroto e deu de ombros.
- Quase caí, outra vez!

A crueldade do mais forte

Bela estava sentada embaixo de uma árvore próxima do portão de entrada da chácara com seu livro do momento, de repente os cachorros começaram a latir e uma senhora e uma criança passaram chorando. Normalmente, Bela se concentra na leitura e não consegue dar notícia do seu redor, mas o barulho dos cachorros fez com que ela buscasse saber o que se passava e chegou até o portão. A senhora que passava meio cambaleando era a vizinha, da chácara ao lado. Bela a chamou:
- Dolores, o que aconteceu? Você precisa de ajuda? – A mulher  se aproximou com o rosto desfigurado pela dor, tentava limpar as lágrimas com as costas das mãos e abraçando a filha, respondeu:
- Bela, não sei o que fazer. O oficial de justiça, com uma liminar do juiz, me mandou sair de casa. Disse que a polícia está esperando ali no bar do Bastião para me arrancar a força se eu resistir.
- Por que?!
- Foi o Gaspar!
- Seu marido?!
- Por que, Bela, meu pai fez isto com minha mãe?  - A menina disse, entre soluços. Bela, atordoada e procurando manter a voz  tranquila para passar uma segurança que estava longe de sentir, falou:
- Esperem aí. Vou colocar Bia e Bei na corrente e vocês vão entrar, se acalmar e me contar o que ocorreu. Vamos  ajudá-las, seja lá o que for. – Bela gritou pedindo ajuda e Valdir veio levar os cachorros para o canil. Ela, então, abriu o portão e fez mãe e filha  entrarem.

Dona Pandá já estava aguardando na varanda da casa, pois ouvira o barulho e sabia que algo não muito bom a esperava. Mal elas se sentaram,  foi fazer um chá de melissa para acalmar as vizinhas e só depois que  tomaram o chá e superaram um pouco as crises de choro e desespero, conseguiram falar coisa com coisa.
Há 12 anos – a menina, Perci, tem 10 – Dolores veio morar com o tal Gaspar, em sua chácara.  Atualmente tem cerca de 45 anos, é uma mulher grande, loira, olhos verdes, seus traços revelam uma beleza encoberta pelos maus tratos da vida difícil na enxada. Do primeiro casamento teve três filhos e da união atual, a Perci.  O Gaspar, um agrimensor, foi casado algumas vezes e seus filhos nunca vieram vê-lo. Tem 70anos, embora aparente cinco a menos. Tinha, até três anos atrás, um escritório na cidade e, atualmente, parece viver da sua aposentadoria de um salário mínimo. Tem um jipe velho,  e acabou de ganhar um carro da irmã, uma professora universitária , preocupada com ele.

Dolores não conseguiu dizer o motivo que levou o marido a solicitar ao juiz – Dona Pandá e Bela não conseguiram entender como um juiz toma uma decisão sem saber a versão da outra parte – a sua expulsão sumária do lar conjugal. Ela não foi avisada, o marido nada falou e os motivos que constam no papel que o oficial de justiça lhe entregou são absurdamente falsos, mentirosos, coisas que podem ser comprovadas por quem conhece a família.
 Enquanto Dolores tentava contar o ocorrido, a menina começou a passar mal, correu para o banheiro onde vomitou muito, deixando a mãe mais nervosa e desesperada, repetindo baixinho:
- Ai, meu deus, o que vou fazer?

Dona Pandá foi verificar quem estava buzinando lá no portão, enquanto Bela tentava ajudar Dolores a cuidar da garota. Ao retornar, Dona Pandá disse:
- Dolores, é o oficial de justiça que voltou para lhe dar carona. Ele me falou que ficou constrangido pela ação que teve que fazer e achou que, pelo menos, poderia levar você e a menina para a casa de alguém de sua família. Afinal, ele reconheceu que vocês estão no meio do mato, sem condução e ele tirou você de sua casa quando estava fazendo faxina. 
- Estava mesmo, olha como estou vestida – ela estava com um chinelo, bermuda e uma camiseta bem velhinha -.  Nem roupa eu pude pegar – Dolores falou entre soluços – acho que vou para a casa de meu filho. Miguel mora com a sogra, mas eles são gente muito boa. Será que possa usar seu telefone? – Depois de acertado e, Bela teve que pegar o fone das mãos da Dolores e explicar sucintamente o que estava acontecendo, elas se foram.

Dona Pandá havia ligado para um amigo advogado que orientou Dolores a procurar imediatamente um advogado público, o que ela fará, amanhã, na primeira hora.
Dona Pandá começou a contar à Bela um pouco do que sabia da vida da ex-vizinha, uma batalhadora. Trabalha na roça, colhendo legumes e verduras de 2ª a 2ª, sem qualquer folga porque o patrão tem que entregar os produtos na CEAGESP todos os dias. Se faz chuva ou Sol não importa, pois as pessoas comem todos os dias, embora a grande maioria não tenha a  menor ideia de como são produzidos os ingredientes de sua alimentação.
- Agora – disse Bela – só podemos torcer para que a defensoria pública faça alguma coisa. 

Os marimbondos vingadores

Passados dois dias do tétrico episódio, Bela continuava em sua tarefa predileta, embaixo da castanheira, quando ouviu alguém chamá-la no portão. Era Dolores, veio pedir, por questão de segurança e aconselhada pela advogada, para Bela acompanhá-la até sua antiga casa a fim de combinar a retirada de seus pertences. Embora não gostando da ideia de ver o tal Gaspar, achou que era o mínimo que poderia fazer. 

As duas pararam no portão da chácara vizinha e bateram palmas insistentemente até o tal Gaspar atender. Carrancudo, cumprimentou Bela e ignorou a mãe de sua filha. Bela disse:
- Vim apenas acompanhar a Dolores que precisa falar com você. – Ele, então se dignou a olhar para ela que explicou a necessidade de pegar suas coisas: os móveis que ela comprou, suas roupas, documentos que estariam numa pasta verde sobre a cômoda e os remédios que está tomando desde a cirurgia da vista a que ela se submeteu. 
O tal Gaspar respondeu que trouxesse uma ordem judicial. Como Dolores insistisse na necessidade de reaver seus pertences, ele disse que iria pegar a pasta de documentos e o restante só com a ordem do juiz. 
Bela não conseguindo ficar alheia, como pretendia, se intrometeu:
- Gaspar, a propriedade é sua, portanto, você tem autoridade para permitir que alguém retire qualquer coisa. Basta você autorizar.- Ele, demonstrando que não queria comprar nenhuma briga com as vizinhas, mas não sabendo ser menos grosseiro, olhou para Bela e tentou sorrir, virou as costas, foi entrando e resmungando:
- Vou buscar a pasta. 

Estava no meio do caminho, quando começou a se bater, com as duas mãos, batia no rosto, nos braços e pulava, batendo os pés com força no chão. Dolores entre preocupada e irônica disse:
- Ih! Os marimbondos da ameixeira pegaram o Gaspar. Falei tanto pra ele se livrar desses bichos. – Gaspar começou a gritar:
- Dolores, me acuda! – Ela, talves por puro hábito, fez um gesto como se fosse entrar pelo portão, mas Bela a segurou dizendo:
- Você não pode entrar, só com ordem do juiz...
As duas acabaram não se aguentando e rindo literalmente nas costas do tal Gaspar. Ele conseguiu, depois de muita peleja, pegar uma mangueira de água que verteu sobre si mesmo na tentativa de se livrar dos marimbondos vingadores.

Como o tal Gaspar entrou na casa e não saiu mais, depois de alguma espera, as duas foram embora. Dona Pandá ao saber do acontecido, riu muito, comemorando a ação dos insetos e contou para Dolores que o senhor Toshio – um dos produtores de olerícolas do bairro – havia telefonado para dizer que a casinha que ela pedira para alugar, estava à sua disposição. Preferia que ela, ao invés de pagar aluguel, limpasse a casa dele uma vez por semana. Dolores ficou, por alguns minutos, felicíssima, depois falou meio chorosa:
- Agora tenho casa e não posso levar minhas coisas. –
Bela e Dona Pandá tentaram amenizar o desespero da amiga, lembrando que a advogada encarregada de defendê-la iria conseguir uma liminar para a retirada de seus pertences. Bela num desabafo falou:
- Você tirou a sorte grande de se livrar desse canalha. Não precisava passar por tudo isso, é claro, mas que é uma sorte você ficar sem aquele traste, ah! Isto é.


Que flor é esta?

Dona Pandá estava fazendo sua ronda pela chácara – faz isto todos os dias para verificar se não há algum buraco na cerca, cacho de banana no ponto de cortar, planta pedindo cuidados e por aí vai – quando chamou Bela para ver uma trepadeira no pé de ipê branco.
- Bela, dê uma olhada lá em cima no ipê – disse mostrando as últimas folhas, no alto - . Como no verão o ipê não floresce, está cheio de folhas, mas ...- Bela a interrompeu com um gritinho de alegria:
- Estou vendo uma flor temporã, lá em cima. Espera aí, este ipê não é branco?! Como a flor é amarela, amarela e vermelha?! Que flor é esta?
- Olha de onde ela vem? Vamos seguir seu galho até o chão. Quem descobrir primeiro escolhe o chá da tarde. – Propôs marotamente Dona Pandá, mas Bela nem percebeu a brincadeira, pois estava muito intrigada com a origem daquela flor e, depois de algum tempo de seguir um galho, se perdia e começava de novo. Os galhos na verdade são cipós da trepadeira que se emaranharam, subindo nos altos galhos do ipê e Bela toda vitoriosa chegou ao pé da planta que estava ao lado da árvore, repetindo: -Que flor é esta?


- Chama-se sapadinho de judia. Ela foi plantada aí há algum tempo, uns dois anos ou até mais e nunca floresceu. Agora, veja só parece que queria umas estacas especiais. Escolheu o ipê que lhe dá suporte, enquanto ela lhe retribui oferecendo sua beleza na época em que não tem sua própria flor.
- Vou tirar uma foto desta outra flor que está quase se arrastando na grama. Está mesmo uma beleza, do chão até o alto! Veja! há uma abelha! Pena que estão num  lugar meio escondido.
- Egoisticamente plantei este ipê para eu ver da sacada do meu quarto!



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