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terça-feira, 29 de março de 2011

Para impedir uma nova crise alimentar

Fonte: Carta Maior

Os países e regiões que enfrentam fome precisam de maior margem de manobra para proteger a produção local de alimentos, prevenir o dumping e estabilizar o abstgacimento. Parte desta margem para definir políticas é hoje minada pelas regras da Organização Mundial de Comércio. Os estoques de alimentos precisam ser vistos de novo como ferramentas essenciais, tanto para enfrentar emergências quanto para estabilizar os preços e o abastecimento, para os agricultores e os consumidores. A concentração fundiária precisa ser interrompida. O artigo é de Jim Harkness.

Quando os preços globais dos alimentos atingiram um pico, entre 2007 e 2008, 100 milhões de pessoas entraram no contingente dos famintos, que ultrapassou pela primeira vez na História a marca de 1 bilhão de seres humanos. Agora, apenas dois anos depois, vivemos outra alta, e é provável que mais fome esteja à espreita.
A FAO, agência da ONU para Alimentos e Agricultura, acaba de publicar seu índice de preços de alimentos, relativo a janeiro de 2011. No caso de alguns produtos, ele chegou ao patamar mais alto (tanto em termos nominais quanto deflacionados) desde que a agência passou a acompanhar a variação das cotações, em 1990. Levantes populares relacionados a alimentos já começaram a ocorrer na Argélia. Enquanto a História se repete, e desenha-se a segunda grande crise de fome em dois anos, é decisivo aprendermos a lição da primeira onda, e enfrentarmos suas causas principais.
A segurança alimentar depende de tempo e mercados estáveis e previsíveis e de acesso a recursos. Tudo isso foi abalado perigosamente nas duas últimas décadas. Desde 1970, o aquecimento global causado pelo ser humano provocou o aumento dos eventos climáticos extremos em todo o mundo. Agricultores que costumavam enfrentar duas perdas de colheitas a cada década agora sofrem inundações, secas ou grandes pragas a cada dois ou três anos. Em 2010 e no início deste ano, alguns dos grandes produtores mundiais de alimentos - Argentina, Austrália, China, Paquistão e Rússia - viveram, todos, eventos climáticos que afetaram fortemente as colheitas.

A segunda fonte de instabilidade é um mercado cada vez mais caótico. Em nome do “livre” comércio, o governo dos Estados Unidos e o Banco Mundial passaram as últimas três décadas forçando a abertura dos mercados dos países pobres a importações baratas, que desorganizaram a produção. Em cruel ironia, os países pobres também foram pressionados a cortar o apoio a seus próprios agricultores e até a vender seus estoques de emergência, sob a lógica de que seria mais eficaz simplesmente adquirir comida no mercado internacional.

Em 2006, mais de dois terços das nações mais pobres dependiam de importações de alimentos. Então, veio a onda de desregulação financeira da década passada, que atraiu os especuladores para os mercados de commodities e criou fundos de índices que atrelaram, como nunca antes, os mercados de alimentos aos de petróleo e metais. Mas a “agregação”, “alavancagem” e demais os “instrumentos inovadores” que deveriam reduzir os riscos nestes mercados provocaram o efeito oposto. A consequência foi um mercado global de alimentos altamente volátil, em que fatores não relacionados com a produção e consumo reais de alimentos frequentemente determinam os preços.

Este duplo golpe global, de instabilidade climática e financeira, não atingiu a todos. A volatilidade é útil aos que atuam com muita força nos mercados. Muitas empresas de agrobusiness estão registrando lucros recordes agora - depois de já terem alcançado idêntico resultado durante a última crise. Houve um pico de concentração de propriedade. Vastas extensões de terras aráveis, nos países do Sul, têm sido compradas por investidores estrangeiros e convertidas em plantações não-alimentares - inclusive matérias-primas industriais e biocombustíveis.

Vale notar, também, que alguns países africanos não serão tão atingidos desta vez. Eles optaram por estimular a produção local, ao invés de confiar nos mercados globais. A maior parte dos agricultores pobres, contudo, luta contra situações hostis. Não é de admirar que a fome tenha se convertido numa nova norma.

Se de fato consideramos a desnutrição global algo inaceitável - e não uma oportunidade de negócios - é preciso fazer grandes mudanças. Quase todos no Banco Mundial, na ONU ou no G-20 reconhecem a necessidade de apoiar os pequenos agricultores, especialmente mulheres, nos países que enfrentam fome. Em termos globais, 70% da comida é produzida em imóveis de menos de dois hectares, conduzidos em grande parte por mulheres.

A ajuda ao desenvolvimento, assim como as políticas governamentais dos países do Sul, deveriam estar focadas em apoiar as conquistas de produtividade destes agricultores, e sua capacidade de enfrentar as crises. Ao invés de deixá-los impotentes diante das forças globais, deveriam incorporar a sabedoria dos sistemas de produção tradicionais, que, ao combinarem o melhor da ciência ecológica com o conhecimento tradicional dos agricultores, encorajam práticas que reduzem o uso de insumos caros, ampliam a produção e a renda dos trabalhadores. E a produção para atender as necessidades locais deve ter prioridade em relação às culturas de produtos exportáveis.

Há muito mais a fazer. Os países e regiões que enfrentam fome precisam de maior margem de manobra para proteger a produção local de alimentos, prevenir o dumping e estabilizar o abstgacimento. Parte desta margem para definir políticas é hoje minada pelas regras da Organização Mundial de Comércio.

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