Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Envelhecer, o Espelho e o Prazer

Melinda entrou no banheiro privativo da sala que ocupava na grande empresa MEZAM e se deparou com o grande espelho sobre a pia, bem de frente à porta. A imagem refletida é de uma sexagenária e ela levou um susto. O rosto, com seu contorno comprometido, tem um queixo quadrado pela flacidez, quase não aparecem rugas ou bolsas sob os olhos que ainda são brilhantes, exprimindo sua inteligência e energia. Seu corpo, magro, com cintura bem marcada, busto insignificante, pernas bem delineadas e lisas, os quadris proporcionais e bunda caída, não mostra uma idade tão definida, assusta menos que o rosto.

Melinda  acabara de sair de uma reunião com seus executivos onde demonstrara, como sempre, uma energia vigorosa, em ritmo difícil de ser acompanhado por todos. Elmo, um engenheiro com a experiência dos seus 51 anos, ficava meio tonto ao tentar acompanhá-la no raciocínio e sobretudo nas decisões. Ela  abria um assunto, dissertava sobre ele, recomendava métodos e atividades a ele relacionados, questionava, franqueava a palavra e passava para o seguinte que tinha o mesmo tratamento. 

O susto foi devido a essa contradição: sua força interior e a imagem do espelho. Melinda se sentia mais jovem, com sua energia, que muitos dos seus colaboradores, alguns nascidos 20 anos após ela. O espelho mostrava o que as pessoas viam e por isso a tratavam como a uma idosa. Ela, na sua própria imagem interior, percebia-se cheia de vida, motivada para grandes batalhas das quais não fugia. Entretanto, alguns acontecimentos a levaram a se aposentar e trocar sua atividade principal. Foi realizar um sonho bem antigo, escrever ficção. Mudou-se para um lugar tranquilo, no campo e passou a curtir, com maior liberdade, coisas quase esquecidas. Seu visual também se transformou. Se antes, era uma executiva, vestindo-se e se comportando como tal, agora, era livre para escolher apenas o que lhe proporcionasse bem-estar. Abolir a tintura dos cabelos foi uma das suas conquistas. Há tempos já usava um corte curto, o que facilitou a transição, o momento mais desconfortável quando a tintura grita pelo retoque. O exercício da liberdade se deu a conhecer em pequenas-grandes decisões, uma delícia!

A cabeça grisalha foi um susto para muita gente e explicitou mais ainda a contradição entre o interior de Melinda e sua imagem externa. Uma das primeiras experiências demonstradoras do preconceito contra as mulheres de cabeças brancas – os homens grisalhos são charmosos e as mulheres, velhas – foi numa loja de Belo Horizonte. Entraram Melinda e sua irmã, Margarida, mais nova apenas três anos. A comerciária se referiu à Melinda como a mãe de Margarida. A gafe foi cometida porque sua autora não se deu ao trabalho de olhar para a mulher de cabeça branca, apenas viu seu prateado. Esse tipo de tratamento é constante em 99,9% dos lugares. Além da contradição já mencionada entre o sentimento de uma mulher inteligente, ativa, cheia de energia e de planos para sua vida e, do outro lado, seu espelho, há a reação do coletivo. A sensação, sentida pela mulher madura diante do tratamento recebido por parte da imensa maioria das pessoas de nossa sociedade, é desconforto, tristeza. Chega à mulher – ao homem também, mas com atenuantes - como se sua vida estivesse com o prazo vencido. É encarada como “já era”. Este fato corrobora muitíssimo para intensificar a contradição interna, já só por si difícil, tétrica.

Ainda há um terceiro fator. Na medida em que os anos passam, o corpo, mesmo aquele, cuja energia podia ser considerada forte – como é o caso de nossa Melinda – vai perdendo a força, a deterioração vai aparecendo em múltiplas formas. O interior - a cabeça com seus pensamentos e criatividade, os sentimentos com sua capacidade de se apaixonar - não acompanha. Seu ritmo é outro. Esse descompasso é dolorido e aí está o perigo de uma depressão e suas graves consequências. A atividade prazerosa – toda pessoa tem pelo menos uma - é a salvação, disto não há dúvidas.

Existem aí, pelo menos, dois perigos: um se refere à incapacidade de a própria pessoa batalhar para exercê-la ou por ignorância, desmotivação ou outro motivo qualquer  e o outro, de os familiares e amigos, até por cuidados, impedir direta ou indiretamente. No primeiro, pode estar, por exemplo, a necessidade de substituir uma atividade prazerosa, porém, já inviável, por outra, às vezes, ainda desconhecida. Então, será necessário força de vontade, motivação e até uma certa dose de aventura – experimentar o novo -, mas o que importa é achar o prazer.
  

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