Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O arco-íris do fundo do mar da África (1)

         Era uma vez, no fundo do mar que banha a África, uns peixinhos coloridos brincavam de arco-íris. Os peixinhos vermelhos formavam uma fila, que logo era acompanhada pela fila dos peixinhos cor de laranja, seguida pela dos amarelinhos, depois pela dos branquinhos, tendo os roxinhos se posicionado do outro lado dos vermelhinhos, seguidos de outros de outras cores até formarem um verdadeiro arco-íris. Ficavam horas nessa linda brincadeira. Como era no fundo do Oceano, ninguém os via, mas um cavalo marinho, muito curioso, se escondia atrás de uma alga gigante para se deliciar com aquela lindeza.
     Numa praia não muito distante dali, um menino construía uma casa na areia. Era uma criança de cerca de 10 anos, magra, pequena para sua idade, rosto triste, cujos olhos desmentiam a tristeza e brilhavam denunciando grandes sonhos. Ouviu um barulho, levantou a cabeça e viu seu pai puxando uma grande canoa para o mar. Largou a casa de areia, correu para ajudar o homem e, quando a canoa já deslizava na água, os dois pularam dentro e a boca do Betinho já quase sorria, acompanhando a do pai que se arreganhava de prazer olhando a agilidade do filho.
Zé da Fiica era pescador, um homem de seus 40 anos que conservava o apelido dos seus sete, quando, na escola, para distinguir dos outros cinco Zés, a professora, ao apresentá-lo para os demais colegas, disse:
-  Este é o Zé, filho da D. Fiica. – Num uníssono o fundo da sala gritou:
- Senta aqui, Zé da Fiica. – O apelido pegou e ficou. D. Fiica morreu, o Zé cresceu, virou pescador dos grandes, casou-se, teve cinco filhos e continua Zé da Fiica.
- Obrigado pela ajuda – o pai foi logo falando -. Agora, volta para sua mãe não morrer de preocupação e depois me receber com olhos de brasa e nada de beijo. – Betinho deu de ombros e ficou como que ignorando a ordem. Zé fechou a cara e disse:
- Vou jogar um menino teimoso no mar. Anda logo se não vai ter que nadar muito, já estamos distanciando da praia. – O menino fingindo esforço para não rir, respondeu:
- Mãe sabe. Quando cheguei da aula, falei pra ela que a professora não passou lição e ela deixou eu ir pescar com o senhor. – Aí sim riu com gosto da cara do pai. Os dois entraram no silêncio da confiança. Betinho era quarto filho, o mais parecido no gênio com o pai. Fisicamente era a cara da mãe, mas a alma era filha do pai. Um gostava de estar na companhia do outro e não precisavam de muitas palavras.
Chegaram em um determinado lugar, já distante da praia. Zé desligou o motor, pegou o remo e ajudou a canoa a deslizar mais alguns metros, então jogou a âncora. Olhou para o filho e disse:
- Se quer mergulhar, vai já pra não ficar debaixo d’água depois de escurecer. – Betinho tirou a roupa, ficando só com a cueca, pulou na água e sumiu. – Zé ficou meio tenso e pensou alto:
- Que mãe Iemanjá proteja meu filho e não deixe ele ter a dor lá embaixo. – Sempre que Betinho o acompanhava, vivia aquela dolorosa contradição. O filho gostava de nadar, mergulhar, sentir-se livre, integrado à imensidade do mar. Zé sabia o valor da liberdade – a história de seus antepassados, vendidos como escravos, era sua conhecida e servia de  fundo para seus pesadelos – por outro lado, o filho tinha umas dores que o transtornavam e elas vinham a qualquer momento. Havia, na escola, outras crianças com essas dores e ninguém sabia curá-las.
     Betinho conhecia bem o caminho para achar o cavalo marinho, seu amigo e companheiro de apreciar a lindeza daquele arco-íris do fundo do mar. Seu coração batia totalmente descompassado. Sua cabecinha temia não encontrar o amigo e não parava de se perguntar:
– Será que o cavalinho está me esperando? Será que está pensando que não venho mais? Faz três dias que não apareço... – Pensava com angústia. Ele não se preocupava com a respiração. (Ás vezes, Betinho achava que, se quisesse, podia respirava água e já esteve muito tentado a experimentar, mas sua mãe ficava muito brava quando acontecia alguma coisa com ele e “o pai não ganhava beijo”). Betinho gostava de, às escondidas, ver seu pai jogar olhar de bobo pra sua mãe. Era só isto acontecer e sua mãe corria pra se sentar no colo do pai e, aí, Betinho, encabulado com vergonha de estar olhando, virada a carinha e saia rindo, quietinho para ninguém desconfiar.
     Betinho chegou atrás da alga gigante e encostou o dedo indicador na barriga do cavalo marinho que se enroscou dando as boas-vindas ao amigo. O arco-íris estava mesmo uma beleza e os peixinhos – sabiam que estavam sendo observados? – começaram uma dança lenta, ritmada, cuidadosa para não desmanchar a composição das cores, afinal eles eram o arco-íris! Betinho ficou de queixo caído e quase fez a experiência sem querer, pois abriu a boca que, é claro, ficou cheia de água salgada. Tentava cuspir, porém só pôde evitar engolir. Teve mesmo que subir à tona para respirar, pensando que os peixinhos podiam achar ruim com ele e irem embora. Respirou, armazenando o máximo de ar que seus pequenos pulmões suportavam e mergulhou de novo, sem nem ver a canoa do pai.
     Chegando lá embaixo, percebeu que o arco-íris estava se desmanchando e os peixinhos tomavam várias direções. Ficou intrigado e chamou, com um gesto enfático, seu amigo, o cavalinho, para um papo na superfície. 
     O cavalo marinho contou que os peixinhos não eram daquelas águas. Moravam em lugares distantes e diferentes. Um dia, um deles percebeu que havia no oceano peixinhos de várias cores e vários lugares. Ele começou a nadar por onde não era seu costume e foi encontrando os peixinhos azuis, vermelhos, amarelos. Depois de algum tempo, ele já conhecia muitos deles, então, marcou com eles um ponto de encontro e deu início à troca de experiências e de sonhos. A dança do arco-íris foi um desafio que um peixinho branquinho, que se julgava muito sem graça, fez para todos. Ensaiaram durante muito tempo. Chegaram a quase desistir, pois erravam muito, não sabiam a própria cor e entravam em filas erradas. Alguns moravam muito longe e chegavam cansados, outros não conseguiam acertar o ponto de encontro e se perdiam. Foram resolvendo os problemas um a um. O peixinho desafiante chegou a consultar uma velha baleia que demorou para ouvir a voz fraquinha do pequenino e até entender os problemas foi outro tempo. Como todos estavam interessados em executar o arco-íris, a  velha  baleia se sentiu também desafiada a mostrar seus conhecimentos, tiveram muita paciência e perseverança. A conselheira indicou outras criaturas do mar que, com suas diferentes especialidades, podiam colaborar nos mais diversos obstáculos. Assim, com a ajuda de muitos, os peixinhos conseguiram, enfim, definirem a coreografia e os ensaios passaram a ser diários. Daí, outro problema surgiu,  houve um acidente e vários peixinhos morreram. Nesse momento, até o branquinho fraquejou, achando que deveria retirar o desafio, não valia a pena tanto esforço. A velha baleia, na sua sabedoria vivida, perguntou:
- Não vale a pena o quê? Vocês vão parar de se esforçar para  ver seu sonho virar verdade e vão fazer o quê? Vão voltar a ter sua vidinha sem graça? Se é isto que preferem, então, fiquem em suas tocas. Vou dar minha sabedoria para quem merece, para quem queira nadar pra frente e ver coisas novas e belas. - Todos foram embora, bem murchinhos. No dia seguinte, sem qualquer combinação e uma hora antes do horário de costume dos ensaios, os peixinhos foram chegando e se posicionando sem que alguém desse um pio. Foi o primeiro ensaio geral. Depois foi só beleza. Todos os dias o fundo do mar apresenta o espetáculo que maravilha seus habitantes e os deixa felizes.
     Chegou o instante de a  velha baleia  partir para seu lugar de repouso e o grupo dos peixinhos mais  todos aqueles que ajudaram na solução dos vários problemas se juntaram para a despedida da grande conselheira. O cavalo marinho terminou dizendo:
- Isto aconteceu há alguns bons anos. Meu avô foi quem me contou e me passou o lugar de onde eu assisto a todos os arco-íris do fundo do mar. -
     Betinho, comovido, agradeceu ao amigo a bela estória e foi nadando para a canoa que continuava no mesmo lugar. Lá chegando, encontrou o pai sentado, suado e a seus pés um peixe bastante grande para acabar com a pesca daquela noite. O pai contou do trabalho que teve  e concluiu que era hora de encerrar a pescaria. Voltaram em silêncio até que Zé da Fiica quis saber o que havia perturbado tanto o filho.
- Conta o que aconteceu. Você parece que viu uma sereia. – O menino contou e perguntou:
- Pai, será que se agente procurar uma velha baleia ela não ensinaria como tirar minhas dores? – A que Zé respondeu:
- Se vamos achar uma velha baleia não sei, mas acabo de saber que devemos procurar. Vamos achar quem tenha a sabedoria da velha baleia e queira nos ajudar. Com certeza , vamos precisar de muitas pessoas com seus diferentes saberes. Vamos achar. – Comovido, puxou Betinho para seu colo e lhe deu um beijo na cabeça.

(1) Esta estorinha foi contada pela coordenadora do projeto ANINHA, a médica pesquisadora Milza Cintra Januário, durante a comemoração dos 20 anos da Associação de Pessoas com Doença Falciforme e Talassemia de Belo Horizonte e Região Metropolitana, MG.  O ANINHA - um exemplo de trabalho envolvendo pesquisa, assistência e muita humanização, trata de gestantes com DF e  é um filhote do Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias. O CEHMOB já é referência internacional.  Sua origem é uma parceria entre o NUPAD  e a HEMOMINAS, cujos responsáveis são, respectivamente,  o médico Prof. José Nélio Januário e a hematologista Mitiko Murao  O primeiro é o programa de triagem neonatal de Minas Gerais. Faz o teste do pezinho, que  diagnostica os bebês nascidos com doença falciforme (DF). O grande diferencial é o acompanhamento permanente que o NUPAD faz das crianças.Trata-se de doença genética, portanto, incurável. Cursa com várias alterações que promovem durante a vida da pessoa, situações muito difíceis. Em geral, é detectada em negros (a doença veio da África), mas pela miscigenação há pacientes de várias etnias. A dor (crise álgica) é terrível para quase todos os pacientes.Muitos chegam a desejar a morte. Como a doença ainda não é conhecida em sua totalidade pela equipe de saúde (tão pouco pela sociedade), nem sempre esta dor é valorizada, somente quem está muito perto consegue mensurá-la. Para conhecer esse trabalho, visite: www.cehmob.org.br .

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