Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 15 de julho de 2012

CRITICA SOBRE MULHERES VERMELHAS


 JAIR ALVES (Dramaturgo)

 Oportuna a apresentação da peça, MULHERES VERMELHAS, na cidade de São Paulo, pois nos permite colocar em pauta a discussão sobre os motivos de o teatro brasileiro ter perdido a sua representatividade nas últimas décadas, diante da população brasileira. O grupo, Cia. Nuvem da Noite têm à sua frente o ator e diretor, Gilson Filho, que apoderado de um tema tão espinhoso, consegue reproduzir a vivência de algumas mulheres do país nos regimes autoritários, tendo ao seu final um deslumbrante resultado teatral e, por esta razão há de avançar nesse relato ao longo do tempo.

A primeira dúvida que se coloca para o debate, é saber quando começou à saga da repressão política no Brasil e em que momento as personagens femininas tiveram o seu destaque. Para muitos, isso aconteceu no golpe militar de março, de 64, enquanto que outros defendem ter sido no momento em que aconteceu o enfrentamento dos estudantes no movimento estudantil, diante da repressão, nas ruas em 68; existem ainda aqueles que pensam ser no momento do AI-5, em dezembro daquele mesmo ano, no GOLPE DENTRO DO GOLPE. Com apenas um pouco de leitura da nossa história descobrimos que já durante o Estado Novo a vida dessas brasileiras não era nada fácil e, recuando-se apenas um pouco mais, na vida das operárias dentro das primeiras fábricas de tecelagem, e também no árduo trabalho nas lavouras de café, diante das situações de castigos, inimagináveis, sendo possível a qualquer época dar um start no martírio a que vamos falar nesse momento.

Quem imagina que a escravidão teve seu fim com o ato da Princesa Isabel, está equivocado; as mulheres, como sempre, foram as mais penalizadas em qualquer dessas situações. Talvez, por esta razão, a trupe tenha escolhido como cena inicial uma referência à Antígone de Sófocles, diante da intransigência do poderoso Creonte. Logo a seguir, assistimos a um desfilar emocionante de situações relacionando duas épocas distintas, num movimento pendular que focando OLGA BENÁRIO, em sua deportação para a Alemanha Nazista; hora a via sacra de, ZUZU ANGEL, em busca de sepultar seu filho, Stuart Angel Jones, morto também de forma não menos cruel a de Olga. Nessa leitura simultânea fundindo realidade e ficção, (Zuzu-Antigone) acaba ficando um pouco hermética para um expectador comum. Agora não é difícil imaginar que a dificuldade se origina tão somente no distanciamento do teatro e o seu público. Curioso e cruel ainda é constatar que este distanciamento tenha aumentado, após o gradativo aperfeiçoamento do Regime Democrático. Isto pode apontar, para aqueles menos otimistas que tempos cinzentos possam voltar, o que para nós seria trágico.

Mulheres Vermelhas é um teatro essencialmente de texto, e que valoriza sobremaneira o conteúdo dramático dos personagens em sua relação com o tempo e o espaço. Tem como grande trunfo, um elenco de jovens atores vivendo no limite da emoção, além de um belíssimo trabalho musical com a direção de Priscila Cubero, recuperando canções, hoje clássicas, da musica popular brasileira. Também importante trabalho corporal assinado por Marina de Paula e Gabriel Oliveira, resultando coreografias objetivas e sem nenhum exagero onde misturam ritmo atual a uma surpreende dança, indígena, de tirar o fôlego, logo nos primeiros momentos cênicos. Alguém poderá questionar por que um texto que se propõe a homenagear uma centena de mulheres que se destacaram na militância política, vez ou outra descamba assumindo um discurso cênico parecer em seu "editorial" defendendo tão-somente a dignidade da luta contra a opressão deixando as histórias individuais para um segundo plano. Verdade que isso aconteça, mas não é difícil defender os criadores nessa questão, pois na luta contra os regimes de exceção tudo se universaliza e a mulher (mesmo àquelas que não vão para o campo de batalha) são as mais importantes a exercer o papel que preserva a própria espécie nesses regimes bestiais. Não são poucas as mães ou mesmo avós, que ficaram com a incumbência de criar e educar os órfãos da ditadura.

Clara Ant (companheira do líder revolucionário, Carlos Marighela), numa das centenas de encontros reunindo ex-combatentes, brincava que as companheiras mesmo tendo papel importante na revolução eram também mães, irmãs, avós e, principalmente, tias. Lélia Abramo, uma das mais esplendorosas atrizes brasileiras, deixou um legado de militância política que influenciou, e ainda influencia, gerações, além de uma referência como pessoa para uma geração, toda a sua família e amigos que tiveram à oportunidade de desfrutar de seu convívio. A ela e a dezenas de outras extraordinárias mulheres, a peça reverencia.

Na curta temporada, o grupo de Ribeirão Preto que veio a São Paulo para se apresentar apenas neste final de semana é, portanto, que ninguém perca a oportunidade única em assistir um espetáculo que narra não somente a participação dessas mulheres militantes e os seus desdobramentos na história recente, mas que se transformou num dos mais belos espetáculos dos últimos tempos por que, apesar da aridez do que é apresentado, é teatro no sentido mais objetivo que a atividade possa oferecer e, com certeza, o público quer assistir o melhor que o teatro pode mostrar. De quebra, vai poder ver uma forte celebração da vida de personagens das quais não podemos abrir mão. Gilson Filho, incansável na guerra contra a mediocridade assina com sobriedade este depoimento artístico espetacular demonstrando que ainda há tempo de ser feliz.

Nossa fonte: O Berro

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