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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A criminalização da política

Laurindo Lalo Leal Filho - de São Paulo

Política para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da população resume-se a eleições.

A mídia brasileira relaciona política a escândalos de corrupção     Pessoas menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o “ano da política”, fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país, do qual não escapa um ensino alheio ao tema.
Nação de base escravocrata, às camadas subalternas brasileiras sempre foi negado o direito de efetiva participação no jogo político.
     Como concessão permite-se o exercício do voto, dentro de regras restritivas, feitas sob modelo para perpetuação das elites tradicionais no poder.
     O descompasso entre presidentes da República eleitos a partir de programas de governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no Congresso conservadoras e patrimonialistas têm sido uma constante da política brasileira desde a metade do século passado.
     O suicídio de Vargas e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964 ao declarar vaga a presidência da República legalmente ocupada pelo presidente João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira, na qual enquadra-se até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros. Cabem aí também as chantagens exercidas por grupos parlamentares contra os governos Lula e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias.
     Diferentemente da eleição majoritária, onde os candidatos a chefe do executivo falam às grandes massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e senadores apóiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência, herdeiros que são do velho coronelismo eleitoral.
     E no Congresso, sem compromisso ideológico com o eleitor, defendem os interesses dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos do campo e da cidade, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas.
     São candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico, proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de oferecer em larga escala. No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão não estão interessados em mudanças. Por pertencerem, no geral, aos herdeiros dos escravocratas (reais ou ideológicos), a existência de um eleitorado esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses.
     Por isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da política, criminalizado-a sempre que possível.
     As raízes da tensão histórica existente entre o executivo e o legislativo brasileiros não fazem parte da pauta da mídia nacional.
     Como também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas para uma necessária e urgente reforma política.
     Entre elas, por exemplo, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de diferentes Estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes.
     O dever social da mídia seria o de ampliar esse debate, levando-o à toda sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política nacional. Mas ela não presta esse serviço.
     Prefere destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os “bate-bocas” nas CPIs. São temas que caem como uma luva nas linhas editoriais dos grandes veículos, movidas por escândalos e tragédias espetaculares, sempre tratadas como fait-divers, sem causas ou consequências, apenas como show.
     O resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos.
     A definição de uso corrente de que “são todos iguais” reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia.
     No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave.
     O Brasil é a única grande democracia do mundo onde não existem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas.
    Só aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a ideia popular de que política resume-se a eleições.
     Ao exercerem no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação, em sua maioria, brincam com o fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao golpismo.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
Nossa fonte: Correio do Brasil

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