por Marcus Ianoni — publicado 02/08/2018 14h03
Uma virada política
à esquerda está em construção e é factível que se viabilize em outubro
O cenário que se esboça é a repetição da disputa entre esquerda e
direita, com ou sem Lula
A estratégia do PT de manter a candidatura de Lula, mesmo com ele preso,
tem se revelado frutífera do ponto de vista eleitoral. Em primeiro lugar, a
campanha de denúncia e de luta contra o processo judicial arbitrário, sem
provas, altamente politizado, enfim, que o levou à prisão é uma posição de
resistência política fundamental contra a deterioração do Estado Democrático de
Direito associada ao golpe contra a presidente Dilma Rousseff, em
2016.
Em segundo lugar, a criminalização do PT e a exclusão política da
candidatura de Lula são as principais motivações da marcha à direita em curso
no País, de modo que o PT apostou, e considero que o fez corretamente, na
exploração de todas as possibilidades políticas e institucionais de resistência
possíveis, usando o próprio processo eleitoral como um caminho singularmente
fértil para maximizar a luta contra o arbítrio e, assim, fortalecer seu cacife
para o pleito presidencial de 2018.
Na última pesquisa Vox Populi/CUT, Lula tem 41% das intenções de
voto. O segundo colocado, Jair Bolsonaro aparece bem distante, com apenas 12%.
Como disse um humorista recentemente, o candidato preso está com a vida bem
mais fácil que os candidatos livres, que suam a camisa percorrendo o Brasil,
mas não chegam a ameaçar o petista. Nesse cenário, Lula venceria no primeiro
turno.
Mas há também duas novidades importantes no campo progressista. A
primeira é que, confirmada a cassação do registro da candidatura de Lula ou,
mesmo em caso mais grave ainda, se esse próprio registro for casuisticamente
negado pelo TSE, as tendências apontam para o aumento de sua capacidade de
transferência de votos para outro candidato, mecanismo que já ocorreu nas
eleições de 2010, 2012 e 2014: a eleição e reeleição de Dilma Rousseff e a
eleição de Fernando Haddad.
Há cerca de um mês, uma pesquisa eleitoral feita por encomenda da XP
Investimentos constatou que se a candidatura de Haddad, por exemplo, for
apresentada isoladamente, reúne 3% das preferências, mas esse número sobe para
11% se o candidato for vinculado a Lula.
Há dez dias, a Vox Populi mensurou que a capacidade de transferência de
Lula, nesse momento, varia entre um mínimo de 20% até um teto de 32%. Esse
quadro colocaria o eventual Plano B do PT no segundo turno. Dois terços dos
eleitores de Lula tendem a votar em quem ele indicar.
A outra novidade importante que impacta no campo progressista é o revés
enfrentado, no momento, pela candidatura de Ciro Gomes em função do Centrão (PP, PR, DEM, PRB e SD) ter
recuado em apoiá-lo e estar negociando o apoio a Geraldo Alckmin.
Embora hoje, como nunca antes na história nacional, tudo que era sólido
se desmancha no ar e, por isso, a previsibilidade está um tanto quanto
pressionada pela volatilidade, não é pouca coisa essa reação da direita
neoliberal mais orgânica, capitaneada pelo PSDB, para fazer frente ao
Bolsonaro.
Desenha-se uma forte candidatura alternativa de direita à extrema-direita,
inclusive pelo tempo de tevê que pode arregimentar. A maré conservadora é
forte, mas, como seu programa tem pouco a oferecer à Nação, essa força pode ser
um mero castelo de areia.
Por outro lado, a esquerda enraizada na base popular e competitiva para
governar não está sangrando, pelo contrário, a estrela petista sobe. O programa de governo da candidatura Lula,
coordenado por Fernando Haddad, começou a ser divulgado.
Contém propostas inovadoras, que, por um lado, motivam a militância, por
outro lado, representam alternativas ao caos econômico e político nacional: a
revogação da emenda constitucional do teto de gastos e da reforma trabalhista,
o aumento da oferta de crédito, inclusive por meio da redução do spread bancário pela via da política
tributária e o incentivo à democracia direta prevista na Constituição de 1988,
com os plebiscitos e referendos.
Enfim, prevalecendo o cenário desenhado nesse artigo, se repetirá a
estrutural disputa entre esquerda e direita que ocorre desde as eleições de
1994: a efetiva competição será entre, por um lado, PT e seus aliados e, por
outro lado, PSDB e o Centrão.
Uma virada política à esquerda tem sido construída e se revelando
factível de viabilizar-se em 2018. Mas toda a perseverança e a inteligência
política são poucas para garantir essa vitória que poderá tirar o País do fundo
do poço e recuperar a democracia maltratada pela ofensiva conservadora.
Um pacto de não agressão e uma ponte de diálogo entre os progressistas
precisam ser cultivados. Boas ideias para a economia também são fundamentais.
*Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de
Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou estágio de
pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e
Economia
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