Dona Pandá está morando em uma pequena chácara. Sua casa
fica atrás da casa da proprietária, sua irmã Marcolina. Ambas, pela idade,
fazem parte de um grupo de risco frente à pandemia. Estamos falando de duas
velhinhas? Bem, vejamos o que vocês acham
.
Há muitos passarinhos na chácara, pois o pomar os chama com
as bananas, as jabuticabas, as seriguelas, as romãs, as mangas e muitas outras.
Há ainda casinhas espalhadas em vários cantos, abastecidas, diariamente com
alpiste e quirera, pelas duas habitantes humanas. Nas castanheiras, a disputa é
entre os macaquinhos e os esquilos. Enquanto eles brincam e brigam nos galhos
lá em cima, cá embaixo, Lau e Bela latem e querem subir nas árvores para pegar
os ladrões. A algazarra atinge uma escala de decibel incômoda para os moradores
das chácaras vizinhas.
Marcolina, paisagista que é, oferece suas centenas de flores
aos beija-flores que não se fazem de rogados e passeiam pra lá e pra cá em
bailados encantadores. São flores em vasos, em pequenos e grandes arbustos e,
ainda, em grandes árvores, como os flamboaiãs.
Devido ao confinamento obrigatório, a mana caçula –
Bernardina - veio ficar na chácara. Como é médica aposentada, mantém um
rigoroso controle sanitário. As atividades das chacareiras se fazem sentir o
dia todo fora da casa e, ainda, têm tempo para as gostosuras do fogão mineiro.
A rotina inclui o cuidado com as plantas - abarcando aí jardim, pomar e horta -,
com o minhocário e com as cadelinhas. No cuidado com as plantas estão também
seu preparo para a secagem e as tinturas. Com a atual situação da pandemia, a
preferência tem sido plantas que fortalecem o sistema imunológico, como pariri,
moringa, inhame, batata doce roxa, abacaxi, limão, cúrcuma e alho que se transformam
em comidas levadas à mesa em preparos bem criativos. Os chás também se fazem
presentes, apesar dos protestos de Marcolina que prefere o café.
Pela manhã, Bernardina faz sua caminhada. Marcolina, de vez
em quando, acompanha e Dona Pandá dá conta de sua ginástica.
À noite, depois que a lida se encerra, as opções caem em um
bom filme ou cada uma se isola no silêncio de suas leituras. Às vezes,
Bernadina faz, pelo Skype, alguns
atendimentos, Dona Pandá escreve um pouco e Marcolina vê notícias na TV. Bernardina introduziu, há poucos dias, o chá
das cinco, com os amigos. Ligam o Skype
– convidam os amigos pelo WhatsApp com
antecedência – sentam no sofá em frente ao notebook –, tomam o chá e papeiam. Normalmente,
o assunto acaba caindo nas plantas. Quando do outro lado da tela, alguém
reclama do confinamento, Bernardina entra firme na defesa do fique
em casa e Dona Pandá, na crítica à irresponsabilidade do atual governo frente
ao Coronavírus. É bastante difícil para ela ficar calada diante das atitudes
absurdas do presidente, seus ministros e filhos, não só no que se refere à
pandemia, mas também quanto aos direitos e conquistas dos trabalhadores, à
política externa e ao despreparo de todo o governo. Ela não se conforma com
tanta ignorância.
Dona Pandá tinha o hábito de colocar, na varanda do seu
quarto, ração para gatos. Eles se alimentavam e iam embora. Eram ariscos, às
vezes, ficavam quietos olhando para ela, escutavam o que dizia e logo fugiam.
Numa noite, Dona Pandá foi acordada com miados cada vez mais
fortes e insistentes. Ela se levantou e, percebendo que o barulho vinha do lado
da varanda, abriu a porta, acendeu a luz e viu o gato preto que olhava para ela
e depois para um volume que estava no chão. Era um filhotinho todo machucado. O
gato preto era fêmea e suas tetas apareciam cheias. Pegou o filhote na boca e levantou a cabeça.
Seu gesto era claro. Queria entregar o gatinho para Dona Pandá. Seus olhos
súplices transmitiam o pedido de socorro de uma forma inequívoca e veemente.
Dona Pandá, comovida, pegou o filhote, entrou na casa à procura de um pano para
enrolar o bichinho que tremia, tremia. A mãe – só podia ser a mãe – foi atrás,
acompanhava muito atenta e em silêncio Dona Pandá. Esta limpou as feridas com
soro fisiológico, percebendo que o animal era quase recém-nascido, mas os
ferimentos não tão graves quanto pensava. Colocou pomada de calêndula e o
enrolou num cobertor dobrado. Sentou-se com ele no colo. A gata - que passou a
ser chamada de Maria – pulou para cima do sofá e começou a lamber aquela
cabecinha e, depois de algum tempo, lambeu a mão de sua protetora, olhando para
ela. Dona Pandá, muito devagar levou a mão e fez um carinho, chamando-a pelo
nome que acabara de lhe dar.
A gata deitou-se e a mulher depositou o gatinho ao
lado da mãe, enquanto providenciava uma cama num canto. Colocou uma almofada
grande, antiga cama de um dos cachorros que já se fora, cobriu-a com cobertor,
pegou o gatinho e o colocou lá. Ele ainda tremia, mas bem pouquinho. Maria foi
depressa deitar-se ao lado, parecia querer lhe dar o peito para alimentá-lo.
Não conseguiu e ficou quieta, encostada no embrulho que era seu filhote. Depois
de algum tempo, o pequeno estava imóvel, assustando Dona Pandá que chegou a
pensar que ele tivesse morrido. Com todo cuidado, verificou que ele respirava e
sua quietude era porque havia deixado de tremer e dormia. A gata também se
acalmou e a mulher voltou para cama.
Na manhã seguinte, Dona Pandá acordou com o chamado de Maria
que, quando viu a porta aberta, saiu correndo e foi até onde havia terra para
fazer suas necessidades. Na volta, comeu, bebeu muita água e foi para perto do
filhote, chegando muito perto para amamentá-lo. Ele parecia não querer outra
coisa a não ser dormir, mas a mãe, com as patas mexeu com ele até que a fome
deve ter aparecido e conseguiu mamar.
Dona Pandá ligou para o veterinário que cuidava de Lau e
Bela, mas foi informada por uma gravação que a clínica, por motivo de segurança
devido à pandemia, estava fechada, com a ressalva de que, em caso de emergência,
poderia dispor do atendimento ambulatorial e fornecia um telefone. Dona Pandá
foi novamente verificar como estava o filhote, achando-o quietinho, parecia
dormir novamente, sem tremedeira. Já tranquila, foi contar para as manas que
vieram ver os visitantes felinos. Quando Bernardina chegou perto, Maria não
gostou, arreganhou os dentes, rosnou, deixando claro que no seu filhote ninguém
pegava. Elas saíram e Maria se acalmou, mas parecia ainda desconfiada.
Dona Pandá ligou para sua amiga Cláudia, que é a melhor
veterinária do Planeta – nem pensem em discordar – e pediu orientação. Cláudia
ensinou o passo a passo dos cuidados necessários com o filhote e com a mãe. Maria
pariu sem assistência e deveria receber uma alimentação reforçada. Com a
restrição imposta pelo Coronavírus, lá se foi Dona Pandá para a cozinha
preparar o reforço para a nova mamãe.
Após uma semana, o Bilu – foi Marcolina quem deu o nome –
andava ainda cambaleante, mas já curioso. Mais um mês e os dois passaram da
condição de visitantes à de moradores.
Como liberdade é o sobrenome de todos os gatos, foi aberto um buraco na
parede da casa para que Maria e Bilu saiam e entrem quando quiserem, sem
restrição de quarentena, mas tendo de passar por um pano encharcado de solução
desinfetante.
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