POR JOSÉ
DIRCEU
(Publicado no Blog NOCAUTE em 23/08/2020 (1))
Ao ignorar o movimento de um amplo arco de forças
políticas e sociais que defende o impeachment de Bolsonaro, a direita
brasileira, que insiste em apoiar a política econômica suicida do governo,
revela seu egoísmo e falta de compromisso democrático.
Vivemos momentos de imprevisibilidade
e instabilidade agravados por uma crise humanitária e, no caso do Brasil, por
uma profunda crise política institucional, social e econômica. O golpe de 2016,
a Lava Jato, o governo Temer e a vitória de Bolsonaro representaram o fim do
pacto constitucional de 1988. Rasgado única e exclusivamente pela oposição de
direita, com apoio da mídia monopolista, conivência da Suprema Corte e sinal
verde dos militares que não vacilaram em vetar o habeas corpus para Lula.
Assim, nossas elites políticas,
empresariais, militares e judiciais criaram as condições para a vitória de
Bolsonaro e para sua própria derrota, tudo em nome de seus interesses expressos
hoje na politica econômica, se é que se pode chamar assim, de Paulo Guedes, o
ultra liberalismo tardio, o desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social.
O
mais grave é que persistem na mesma toada, buscam saídas com Bolsonaro, com
Mourão, se recusam a apoiar seu impedimento apesar do desastre humanitário à
vista. Uma tragédia nacional com mais de 50 mil mortos e 1 milhão de
infectados.
Mesmo neste cenário de guerra, nada
faz nossas elites abandonarem seus privilégios e interesses de classe. O
adversário, para elas, não é o risco de um golpe ou o desastre em todas frentes
do governo Bolsonaro e sim a esquerda e sua provável ou possível volta ao
governo.
Bolsonaro segue acuado, mas atacando.
Perdeu as ruas e seu isolamento cresce a cada dia. Daí a pergunta que é feita
por todos: por que o PSDB se opõe ao impeachment, seguido pelo silêncio do DEM
e MDB? A resposta é simples. Estes partidos querem se livrar de Bolsonaro, até
porque avaliam que a seguir no seu ritmo ele levará novamente a esquerda ao
poder, mas não querem assumir nenhum compromisso democrático, social ou
econômico.
Questão
de fundo
Há uma questão democrática de fundo.
O PSDB não aceitou o resultado das urnas de 2014 e, na prática, não aceita uma
alternativa de governo de esquerda, seja do PT ou de outro partido. A causa
desse veto é que, com um governo de esquerda, não há espaço para suas políticas
neoliberais e de Estado mínimo, espoliação máxima dos trabalhadores e
concentração da renda sob a batuta do capital financeiro.
E o cenário internacional, com a
gravidade da crise que se avizinha pós pandemia, também mostra-se desfavorável
às políticas que sustentaram até aqui o ideário tucano.
Os
acontecimentos recentes no Chile, no Equador, na Colômbia; a vitória de
candidatos de esquerda no México e na Argentina; os movimentos de protesto e
resistência nos Estados Unidos são sinais de alerta para os partidos
brasileiros de direita. São sinais de que a roda na história não parou e de que
as classes trabalhadoras não aceitarão sem luta a continuidade do capitalismo
real brasileiro, um dos de maior concentração de renda, riqueza e propriedade
do mundo. É o fantasma de Lula que os assombra.
Se dependesse dos militares e de
Bolsonaro, a esquerda já estaria excluída da vida institucional do país. A
nossa direita liberal não fica atrás: faz de conta que não há uma interdição
política a Lula e uma constante criminalização do PT e tentativas de fazê-lo
com a luta social, de classes.
Esse equilíbrio instável e
imprevisível que vivemos será rompido via impeachment ou cassação da chapa por
pressão pelas ruas assim que a pandemia permitir. Nessa hora, a questão que se
colocará é quem conduzirá a ruptura e a transição e qual será o seu caráter e
duração e saída – provavelmente nas eleições de 2022.
Correlação
de forças
Hoje, a correlação de forças não
favorece as esquerdas, seus partidos políticos e movimentos sociais, com o MST
à frente pelo maior poder de mobilização e apoio. Vamos lembrar sempre que
Haddad obteve no primeiro turno de 18,32 milhões de votos, que as classes
médias, sejam progressistas ou conservadoras, sairão às ruas depois da pandemia
e que os setores mais explorados dos trabalhadores se mobilizam e já estão nas
ruas. Poder de fogo que não coloca as esquerdas na liderança, mas é o
suficiente para explicar o jogo de cena e de sombras ensaiado pela oposição de
direita, o apoio explícito do centrão ao governo e as decisões constitucionais
e de direito da Suprema Corte, que buscam colocar limites a Bolsonaro, como se
isso fosse possível, de preferência chegar até 2022 com ele enquadrado.
Há uma variante, para além da
alternativa de esquerda, que perturba os sonos e sonhos de nossas elites — o
fantasma de Geisel, o Pro Brasil, o papel do Estado. É bem verdade que todos os
indícios são de que os militares aderiram ao ultra liberalismo tardio, mas, por
sobrevivência política e pragmatismo, podem optar por uma outra política
econômica.
As
esquerdas vivem seus dilemas. PDT, PSB, REDE, PV e Cidadania optaram por uma
aliança de centro-esquerda. Foram os primeiros a pedir o impeachment e,
nitidamente, se afastam do PT, apesar da ação conjunta na Câmara e no Senado e
entre as fundações partidárias e da luta comum pelo impedimento do presidente
com o PT, PC do B, que está mais próximo deles, PSOL, PSTU, PCO e PCB.
Para o PT, o Fora Bolsonaro e o
impeachment são o centro da luta. Mas a ausência das ruas e das mobilizações e
o inaceitável impediento de Lula, com seus direitos políticos suspensos por uma
condenação que deve e precisa ser anulada, coloca o PT, junto com toda
esquerda, na defensiva. Isso abre espaço para que a direita liberal, com apoio
da mídia e de seu peso institucional e econômico, busque saídas de compromisso
com os militares e Bolsonaro.
O aprofundamento da crise sanitária,
fruto da política genocida do governo e seus aliados; o crescente isolamento do
Brasil no mundo com reflexos imediatos no comércio exterior e nos
investimentos; a insuportável incompetência e ineficiência em todas frentes,
sanitária, ambiental, educacional, cientifica, cultural, agravada pelos
gravíssimas denúncias contra os filhos e a família de Bolsonaro; e as
investigações e inquéritos sobre os crimes cometidos pelo presidente na
campanha de 2018 e no governo compõem o cenário dramático que envolve o
presidente da República. E, tudo indica, o obrigará a um acordo o que não
condiz com a natureza e os objetivos autoritários de seu governo.
Em
que país vive a elite?
A direita brasileira parece viver em
outro pais, o que revela seu egoísmo e sua falsa indignação com Bolsonaro.
Insiste com a imediata retomada da austeridade, das privatizações, das chamadas
reformas, da manutenção do teto de gastos, regra de ouro, já fala em superávits
em 2021 e 2022.
Para as classes trabalhadoras propõe
mais sacrifícios e mais privações de seus direitos e espera que não aconteça
nada. Ledo engano, haverá luta e grandes batalhas.
Sem
compromisso democrático e sem nenhum aceno de mudanças na política econômica
suicida, o que esperar? Nada além de um acordão que exclui uma saída
democrática como foi a campanha das Diretas Já, onde havia um compromisso que
desaguou na Constituinte de 1988. Um acordão que ignora a classe trabalhadora e
o povo pobre do nosso país, que solapa seus direitos trabalhistas, sociais e de
cidadania.
A oposição a Bolsonaro no país é
ampla geral e irrestrita. Basta ver os manifestos, o apoio das entidades ao STF
e em defesa da democracia. A oposição já está nas ruas e forma um amplo arco de
forças sociais e políticas. Quem não ouve o país e essa maioria é a oposição de
direita que se recusa a evitar o pior e abraçar já o impeachment.
Essa é a única escolha que nos impõe
nossa consciência moral e responsabilidade política, custe o que custar. Com
todos riscos, devemos lutar sem tréguas pelo fim do governo Bolsonaro.
(1)A foto que ilustra o artigo em seu original, publicado no NOCAUTE, não cabe no Libertas)
Fonte: NOCAUTE (Blog de Fernando de Moraes)
Nenhum comentário:
Postar um comentário