Ele plantava árvores e me dizia:
- Para de plantar árvores senão a chácara vai
ficar sem Sol.
Cada vez que eu ia vê-lo em Belo Horizonte, ele havia feito algumas mudas
de frutíferas que embalava de forma sempre muito criativa para que não
sofressem com a viagem dos 600 km. Na última vez, quando lhe telefonei falando
da minha ida de avião, senti um quezinho de irritação em sua voz ao me
perguntar:
- Você não vem com a Preta
(caminhonete)?
Descobri, logo que lá cheguei, o
porquê do tom: as mudinhas estavam esperando uma carona para o seu
destino: a Chácara Xury. Quando de minha despedida, ele não se deu o trabalho de discutir, embalou apenas
três e não as seis que preparara e como recusar o presente? Era mais fácil
deixar a mala.
No começo dos tempos da Chácara
Xury, ele, acompanhado de sua companheira, vinha ajudar a transformar o terreno
cheio de mato em pomar, horta e jardim.
Falava da falta de Sol e, dominado pela sina de plantador, de cada fruta que
comia nascia uma árvore. Colhia as sementes, preparava as mudas, carregava-as
das Gerais, nos ônibus, até seu destino, cavava a terra, plantava as mudinhas e
lhes passava a energia da vida. Plantou manga, jabuticaba, lichia, cabeludinha,
abacate, laranja, uvaia e ainda muitas outras.
Ele se foi. Deixou, em cada pedaço
da Chácara, sua energia. Ando por aí e ele comigo. Durante muito tempo, depois
de um passeio pelo pomar, vinha para o telefone querendo sua orientação para algum problema e sofria um soco no
coração ao perceber que não podia mais lhe telefonar.
Eu ficara órfã.
Agora, não mais me engano, não mais
pego o telefone, não preciso. Minha conversa é direta. Andamos juntos pela
chácara. Examinamos juntos cada planta. Sentimos a alegria do despertar de cada flor. Sofremos juntos ao ver a jabuticabeira adoecer e se definhar sem
aceitar o socorro que tentamos lhe dar.
Hoje, a alegria veio grande. Ao
passar pela lichia – ele a plantou, trazendo a semente do sítio Catita, há mais
de 10 anos – vi as primeiras frutas, lá bem no alto. Poucas, mas lindas no seu
colorido, deliciosas no seu sabor delicado. Colhi cada lichia sentindo a
presença dele como se sua mão me entregasse a fruta.
Vim para a casa, me sentei
na varanda olhando para a matinha lá mais distante, para o jardim bem perto e
comecei a chupar as lichias. Sua energia encosta em mim quando as saboreio.
Faço de conta que ele também se delicia com as frutas que plantou para mim.
Minhas lágrimas são de saudade e da certeza de ter sido uma filha muito amada
por um pai que foi plantador de árvore e de vida.
Mian
ResponderExcluirNão pude conter as lágrimas, a maneira com que v. descreve emociona até quem não o conheceu!Tenho certeza de que ele, quando v. sente sua presença, está realmente ao seu lado.
Ti'Ada,
ExcluirObrigada. é uma contradição, a ausência tão presente.
Bjs,
Mian
Mi,
ResponderExcluirLindo relato, linda foto, lindas lichias...
Talvez as frutas tenham aparecido depois das reclamações que fiz (fizemos?) quando passamos pela árvore há pouco tempo (rs)
Bjo
R.
Roberto,
ExcluirVc tem razão, valeu a reclamação.
Bjs,
Mi
Que susto quando li Roberto.
ResponderExcluirAcho que o mano também está presente por aqui.
Milza
Milza,
ExcluirAs lembranças vivas se tornam presentes.
Bjs,
Mian
Transcrevendo, a pedido, comentário da Irene:
ResponderExcluirOla Miriam, bom dia
Vou fazer um comentário, o 3º de uma serie .
Achei o texto lindo e comovente que só poderia ser escrito para pessoa amada. Confesso que fiquei com um pouco de inveja de que só você possua as lichias, fruto do plantador de arvores da vida. Acho que eu, durante todos os anos que mantive palavras escritas com o plantador poderia ganhar uma arvore ou um galho que fosse, muito embora saiba que seja qual for a arvore não sera tão frondosa quanto a sua. Mas mesmo assim gostaria de ter uma. Por isto peço a você que em suas conversas com o plantador de árvores pergunte a ele se seria muita ousadia da minha parte fazer este pedido, aproveitando as sementes de uma das suas lichias. Peça também a ele que ilumine a minha estrada, e que com a sua sabedoria me oriente e me indique o caminho a ser seguido nesta fase derradeira da minha vida.
beijos e desculpe a ousadia de me entrometer neste dialogo tão particular entre vocês dois.
Irene
Irene,
ExcluirSeu comentário é um carinho que receba comovida. Plantarei uma mudinha para voê. Sei que ele não lhe deu lguma árvore física por pensar que você não teria onde colocá-la.
Beijos,
Mírian
Mian,
ResponderExcluirSeu belo texto me emocionou demais. Como é gostoso ler suas palavras tão cheias de amor... sinto q ele está sim, por perto, e c/ certeza td orgulhoso tb, ainda mais c/ o lindo e inesperado pedido da Irene!
Bjs,
Meiri
Meiri,
ExcluirSinto que se a lembrança é tão forte, a nssa energia fica amalgamada com a dele. Espero que as sementes que vou plantar para Irene germinem com força de vida.
Carinho,
Mian